Da rádio ao podcast: potenciar o uso do som entre jovens

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Luís Bonixe

O espanto da professora era sincero. Como era possível que uma das suas alunas mais introvertidas e tímidas em sala de aula fosse aquela que se ofereceu para conduzir o curto programa de rádio, que seria depois transformado em podcast?

A tarefa era simples: criar conteúdos para um espaço radiofónico que não deveria ter mais de 10 minutos. Nada que não seja rotineiro num dia de um profissional de rádio. Dizer as horas, saudar os ouvintes, falar das temperaturas, conduzir pequenas entrevistas. Mas a aluna, 15 anos, que nunca tinha entrado num estúdio de rádio agarrou a tarefa como se fosse a sua prática diária. Perante os colegas de turma, apesar da sua timidez que a professora confessaria no final da atividade, a estreante pivot de rádio não hesitou e ofereceu-se para dinamizar aqueles curtos minutos.

Parece que no momento em que enfrentamos o microfone, não há mais ninguém à nossa volta e que essa sensação é libertadora e geradora de momentos de inovação e criação. A rádio promove o diálogo, é interativa, geradora de discussões e debate sobre assuntos de interesse para as crianças e jovens. Essa é, aliás, uma das conclusões do estudo de Tejkalova, Gheorghiev, Supa e Nainova (2021).

Ali acontece um jogo de ritmos e tons que se combinam na voz, na música, nos efeitos sonoros e no silêncio. É também por isso que se diz que a rádio é próxima, íntima e afetiva. Talvez não haja melhores exemplos para essa intimidade do que os chamados “programas da noite”, espaços que apelam à proximidade e à confidência. Não fosse assim, seria no mínimo estranho que um ouvinte confessasse com naturalidade ao locutor de rádio (e ao auditório) a sua vida, os seus problemas pessoais e profissionais e as suas expetativas mais íntimas. Mas não se estranha porque é a rádio!

Proximidade, potencial educativo, acessibilidade

A rádio foi sempre encarada como um meio com potencial educativo, sobretudo junto das populações mais isoladas ou com baixas taxas de alfabetização. Prova dessa dimensão educativa é o facto de a rádio ter sido ao longo de décadas um importante elemento em muitas comunidades no processo de educação das populações e em particular dos mais jovens, por exemplo como forma de acesso e partilha de conhecimento em espaços geográficos social e economicamente deprimidos (UNESCO, 2013). A pandemia de COVID-19 veio mostrar, uma vez mais, a presença da rádio na sociedade e a sua capacidade de resiliência, apesar da veloz transformação dos meios de comunicação, em particular devido à digitalização e à Internet. Nos últimos anos, a rádio foi em alguns contextos onde a cobertura da Internet não é a desejável, a forma de os jovens acederem aos conteúdos das aulas.

Nos anos 60 e 70 do século XX, o movimento das rádios livres na Europa demonstrou a dimensão de “bricolage” do meio radiofónico. Indivíduos com os mais variados interesses e conhecimentos juntaram esforços e criaram milhares de pequenas emissoras proporcionando novos conteúdos, modelos e formas de comunicação. Este movimento demonstrou como, sem grandes recursos financeiros, é possível criar uma rádio.

É devido a essa mesma característica da rádio, que a torna tão fácil de criar, que nascem ainda hoje várias rádios nas escolas, muitas vezes por iniciativa dos próprios estudantes. Projetos que proporcionam aos jovens a oportunidade para criarem conteúdos de modo colaborativo estimulando formas de comunicação horizontal. É comum nas rádios escolares escutarmos entrevistas, notícias ou espaços musicais selecionados pelos próprios estudantes. Este é, segundo o estudo de Balsebre, Perona, Fajula e Barbeito (2011) um dos fatores que motiva os jovens a envolverem-se com o meio radiofónico, pois veem nisso uma oportunidade para expressarem a sua voz.

Das novas formas da rádio ao podcast

Mas se a rádio tradicional (aquela que ouvimos no carro) é ágil e não requer grandes recursos técnicos ou financeiros para ser criada, a nova rádio (aquela que nasce a partir das novas tecnologias de informação e comunicação) tem-se encarregado de confirmar a resiliência deste meio, mostrando em primeiro lugar que não só sobrevive ao ambiente mediático onde se insere, como é capaz de se renovar e apresentar novas e mais modernas formas de chegar a todos nós.

As web-rádios, formas de rádio apenas difundidas através da Internet e, sobretudo o podcast, confirmam a capacidade da comunicação sonora para persistir num menu mediático cada vez mais povoado.

O podcast é, aliás, um excelente exemplo de como a rádio se combina com os meios digitais, ainda que adotando novas linguagens e formas de difusão, curiosamente levando para a rádio ouvintes que se julgavam perdidos, entre eles os mais jovens. O podcast que, não sendo rádio, resgata alguns dos seus modelos e formas de expressão sonora, tem sido um interessante atrativo para as crianças e jovens que, de modo fácil, quase intuitivo e sem a necessidade de grandes recursos técnicos, constroem programas, estimulam a sua criatividade e expressam a sua voz.

Terá sido esse encanto da rádio (e do podcast) que atraiu a nossa locutora de serviço que pela primeira vez geriu um programa de rádio, apresentando-se aos ouvintes, dialogando com os colegas tendo o microfone como intermediário, lançando músicas, perguntas e sugestões.


Referências

Balsebre, A., Perona, J.J., Fajula, A. & Barbeito, M. (2011) The Hidden Radio Audience in Spain: Study on Children’s Relationship with the Radio, Journal of Radio & Audio Media, 18:2, 212-230. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/19376529.2011.615778?journalCode=hjrs20   

Tejkalova, A.N., Gheorghiev, O., Supa, M. & Nainova, V. (2021). Children and the Radio: Who Should Listen to Whom?, Journalism Practice. https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/17512786.2021.2011377?needAccess=true 

UNESCO (2013). Linking Generations: Linking Generations: A toolkit from Africa for radio with children and youth. Disponível em: https://childrensradiofoundation.org/wp-content/uploads/2020/06/UNESCO-toolkit-CRF.pdf

Sobre o Autor

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Luís Bonixe

Professor Adjunto - Instituto Politécnico de Portalegre. ICNOVA.

Com trabalho na área do áudio, da rádio e do podcasting, tem pesquisado sobre a importância da rádio e do áudio para crianças e jovens.