Teresa Sofia Castro
22 de Fevereiro, 2023
Os guardiões, os reflexivos e os high-tech são perfis de pais na mediação dos seus filhos com as tecnologias. A autora reflete sobre estes tipos de mediação observados em 18 famílias com crianças até aos 8 anos, que foram acompanhadas ao longo de três anos no projeto Famílias iTec(2019-2021). E aí em casa? De que tipo se aproximam mais?
Cada uma das famílias acompanhada era diferente, era singular. Por isso, não tem sentido falar de uma ‘infância digital’, mas sim de infâncias (mais e menos) digitais, no plural. Assim, as estratégias adotadas para socializar a criança para ter usos equilibrados do digital devem ser coerentes com cada contexto familiar.
Uma família pode ter um perfil que é dominante, perfis que coexistem muito de perto ou, ainda, perfis que evoluem, por força de circunstâncias que afetam as dinâmicas familiares, como a idade da criança, o confinamento prolongado derivado de uma pandemia como a que vivemos, um divórcio com guarda partilhada, o aumento dos membros da família com o nascimento de um irmão e outras.
Os guardiões
São motivados por emoções como a insegurança e a ansiedade sobre se estão ou não a cumprir bem o seu dever de vigilância e de proteção e por também por sentimentos de nostalgia que os ligam a um passado menos digital e a ambientes familiares com regras mais inflexíveis e aparentemente mais seguros. É costume recorrerem a esse passado em frases como “No meu tempo, tinha que pedir autorização para ligar a televisão”.
Os pais guardiões tendem a ter uma perceção dos meios digitais marcada pela preocupação com potenciais malefícios, com a ideia de dependência e a de que o tempo passado junto dos pequenos ecrãs é um “tempo inútil”: “estão ali no ecrã [do tablet], não falam. Se pudessem passavam o dia todo presos àquilo”. Na sua perspetiva, as crianças começam a ter acesso a esses meios “demasiado cedo” e, por isso, eles procuram conter o contacto: “Quando chego a casa, coloco o telemóvel em cima do móvel, onde ela não chegue”. Nestes lares, privilegiam-se ecrãs mais “seguros” e para todos, como é o caso da televisão: “Cá em casa, até o gato vê televisão”.
Os reflexivos
Valorizam e avaliam sobretudo o tempo presente: “Os tempos estão a mudar, não quero que ele fique para trás, mas tudo com equilíbrio”. Ponderam as decisões de modo a proporcionar à criança um equilíbrio entre atividades digitais e não digitais, identificam constrangimentos na gestão do tempo e novas oportunidades que surgem com os usos. Nem sempre são coerentes nessa gestão: “Ele não tem acesso quando quer, mas às vezes é a única forma de eu conseguir fazer as tarefas de casa.”
Neste contexto, a criança tem algum tempo para explorar o digital sozinha, por vezes surpreendendo os pais pela sua navegação: “E também dou conta que encontra coisas que eu não sei como chegou lá”. Mas os novos ecrãs também proporcionam momentos movimentados de interação familiar: “Às vezes dançamos ao som de música no YouTube. Temos a nossa playlist.”
Os high-tech
Têm uma visão decididamente voltada para o futuro. Ainda mais que o grupo anterior, famílias com este perfil consideram que as tecnologias têm utilidade na sua gestão familiar e que o tempo que a criança passa na internet é um investimento nas suas competências, para um futuro com mais oportunidades se sucesso profissional: “saber inglês e programação é fundamental para o futuro deles”. Começam cedo a motivar a criança para a aquisição dessas competências: “ele apanha facilmente o inglês e fala, por causa dos vídeos que lhe púnhamos no YouTube, desde muito cedo. Apanhou o gosto”.
Os ecrãs fazem parte das dinâmicas e interações diárias dos pais high-tech, seja para marcar férias, ou para as comunicações com familiares no estrangeiro. Um pai que trabalha por períodos no estrangeiro refere a sua intervenção à distância: “quando estou fora, ela liga-me por videochamada, já sabe fazer isso desde pequenina, e por vídeo chamada eu ajudo-a a estudar ou fico com ela enquanto a mãe leva o irmão ao treino”. Estas famílias high-tech são as que tendem mais a usar os controlos parentais e a fazer uma mediação que vai se ajustando às características, idade e responsabilidade demonstrada pela criança.
Um estudo inspirador
A natureza interpelativa desta investigação visou levar as famílias a refletir as suas práticas num contexto de evolução.
Por sua vez, esta leitura de estilos de parentalidade digital bebe da inspiração que encontrei em investigação internacional de referência, como o recente estudo de Sonia Livingstone e Alicia Blum-Ross. Esse livro sobre as mediações digitais teve como base inquéritos nacionais e entrevistas com observação em 60 famílias de diversos meios sociais.
Esse estudo levou as investigadoras a distinguirem três estilos parentais que sustentam a mediação digital – abraçar as tecnologias; equilibrar os seus usos com outras atividades, não digitais; resistir o mais que for possível. Essas posturas são, por vezes, inconscientes, involuntárias e até contraditórios.
Neste post publicado no blogue Parenting for a Digital Future desde 2015 na London School of Economics and Political Science (LSE) e coordenado por Sonia Livingstone, pode encontrar uma apresentação do estudo, em inglês.
- E aí em casa? Há coincidência nas mediações por parte dos cuidadores?
- Com quais destes perfis de mediação se aproximam mais?
Nota: Este texto resulta do projeto Famílias iTec, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/116279/2016).
Sugestões de leitura
Castro, T. S. (2021). “Ás vezes torna-se difícil saber o que devemos fazer” – mediação parental em tempos de COVID-19. In Brito, R. & Dias, P. (eds.). DIGIKIDS – A Utilização de tecnologias touchscreen por crianças até aos 6 anos. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 60-73. Ebook
Castro, T. S. & Ponte, C. (2019). “Não há parentalidades perfeitas” – caminhos e desafios do digital no dia a dia das famílias modernas. In Crianças, famílias e tecnologias. Que desafios? Que caminhos?, coord. R. Brito e P. Dias. CIED, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa, pp. 171-183. Ebook
Livingstone, S. & Blum-Ross, A. (2020). Parenting for a digital future. How hopes and fears about technology shape our children’s lives. Oxford: Oxford Polity Press
Sobre a Autora
Tem investigado a relação das crianças de diferentes contextos e a mediação das suas famílias com as tecnologias digitais: usos e competências, como lidam com riscos, práticas de socialização e mediação.
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