Vidas digitais: estratégias preventivas

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Eduarda Ferreira

Presença constante na vida de crianças e jovens, a dimensão digital foi intensificada com o aparecimento dos smartphones com ligação à Internet. Com a omnipresença das tecnologias digitais móveis e da comunicação online, podemos dizer que hoje crianças e jovens têm “vidas digitais”.

Com a pandemia e o consequente isolamento social, muito mudou na forma de conviver, de estudar, de trabalhar… de viver. De todos e todas. Todos os estratos sociais e económicos foram atingidos, com níveis diferentes de condições de conforto e segurança. Todas as idades também. Crianças e jovens viram a escola transformar-se radicalmente, com os seus movimentos limitados e o contacto com amigas e amigos reduzido ao digital.

Tempo de ecrã

Neste contexto, aumentaram as preocupações com o tempo de ecrã. Mas o ‘tempo de ecrã’, por si só, não é prejudicial para o desenvolvimento psicossocial e o bem-estar psicológico das crianças e jovens. Mais importante do que o número de horas à frente de um ecrã, é perceber qual o contexto de uso (onde, quando e porquê), o conteúdo a que acedem (o que se faz e o que se guarda), e as conexões resultantes (se se intensificam ou reduzem as relações sociais por causa das atividades online).

O ‘tempo de ecrã’ não pode ser visto como uma atividade uniforme ou inevitavelmente problemática. Inclui tempo para aprendizagens, entretenimento, relacionamentos, acesso a informações, um lugar para criatividade e até mesmo para ação cívica.

O que devemos ter em conta em relação ao ‘tempo de ecrã’ de crianças e jovens são questões como dar conta se afeta o trabalho escolar, se diminui a prática de exercício físico, se prejudica as relações sociais com amigos/as e colegas ou se perturba de forma significativa a interação com a família. Devemos ter em atenção se, quando e porquê determinadas atividades digitais ajudam ou prejudicam cada criança ou jovem em particular. Falar em uso excessivo de tecnologias digitais não se pode referir apenas à quantidade de tempo, mas essencialmente ao impacto negativo no bem-estar da criança ou jovem.

Riscos de uso excessivo

Estão identificados diversos riscos associados a uma utilização intensiva das tecnologias digitais, como uma vida digital demasiado exposta, a possibilidade de dependências, a diminuição de interações sociais presenciais, entre outros riscos. Mas o que fazer, como gerir os perigos e riscos da utilização de meios digitais online? Como aproveitar o potencial e as oportunidades das tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, permanecer atento aos desafios e riscos?

Quem trabalha com jovens questiona-se sobre o que fazer. Proibir? Controlar? Dar informação sobre os perigos? Neste novo contexto parece claro que proibir e controlar não são as respostas adequadas, como defendem investigadores como Helsper & Smahel num artigo sobre uso excessivo da internet por parte de jovens europeus, ou O’Neill & Dinh no relatório sobre as estratégias europeias para uma melhor internet para crianças e jovens.

Resiliência digital

Existe um conceito fundamental quando falamos em desenvolver competências sociais nas interações presenciais – a resiliência. Estamos a falar de capacidade para lidar com problemas, de adaptação a mudanças, de superar obstáculos, de ser capaz de resistir à pressão de situações adversas e de encontrar soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades.

Considerando os desafios e riscos da realidade digital, facilmente percebemos que estas competências sociais também são fundamentais na vida online. Por isso se fala no conceito de resiliência digital, uma aplicação do conceito de resiliência à tecnologia, à internet e à era digital.

Sabemos que é fundamental que as/os jovens sejam capazes de entender quando estão em risco online, que saibam o que fazer se algo correr mal, que consigam aprender com a experiência de estar online e sejam capazes de recuperar de dificuldades ou más experiências. Podemos dizer que crianças e jovens que são digitalmente resilientes têm as competências necessárias para lidar com os desafios do mundo digital.

Estratégias preventivas

Para o desenvolvimento da resiliência digital, relatórios de projetos de investigação como os de Przybylski e colegas ou de Reynolds & Parker têm identificado algumas estratégias:

  • Definir regras justas e consistentes para a utilização da internet pelas crianças (permitindo que à medida que vão crescendo as regras sejam negociadas para que possam ter algum controle sobre o seu mundo digital);
  • Ensinar as crianças a pensar criticamente sobre o que leem, veem ou ouvem online, para poderem avaliar se as informações são de confiança e úteis para elas;
  • Manter uma visão positiva sobre a utilização da Internet pelas crianças (se criticamos constantemente as apps e jogos que elas adoram provavelmente não vão querer falar sobre sua vida online);
  • Facilitar que falem sobre as coisas que não correram bem nas suas atividades online, manter a calma e certificar-se de que elas sabem quando e a quem pedir ajuda.

Com base nestas estratégias para o desenvolvimento da resiliência digital, podemos perceber que apenas limitar e controlar as crianças e jovens na utilização da Internet não contribui para o desenvolvimento das suas competências e que, em vez de proteger, pode colocar em maior risco.

O que a investigação sobre o desenvolvimento de capacidades de auto-regulação aponta como estratégia mais indicada para permitirmos que as crianças e jovens desenvolvam as competências necessárias para estarem seguros no ambiente online é estabelecer limites claros para as suas práticas digitais e, em seguida, afastar-se, permitindo que elas explorem o mundo online com segurança, sabendo que os adultos estarão lá para ajudar se algo correr mal.

Estamos perante uma realidade em constante mudança, e o ritmo das mudanças relacionadas com o digital é particularmente rápido. Temos de ter em consideração não só os riscos de utilização excessiva e possíveis dependências, mas também os riscos de crianças e jovens não desenvolverem competências necessárias para poderem acompanhar de forma segura as mudanças da nossa sociedade.

Referências

Grolnick, W. S. (2009). The role of parents in facilitating autonomous self-regulation for education. Theory and Research in Education, 7(2), 164-173.

Helsper, E. J., & Smahel, D. (2019). Excessive Internet Use by Young Europeans: Psychological vulnerability and digital literacy? Information, Communication & Society, 23(9), 1255-1273.

O’Neill, B., & Dinh, T. (2018). The Better Internet for Kids Policy Map: Implementing the European Strategy for a Better Internet for Children in European Member States. European Commission.

Przybylski, A. et al., 2014. A Shared responsibility building children’s online resilience, OII: Oxford Internet Institute.

Reynolds, L., & Parker, L. (2018). Digital Resilience: Stronger Citizens Online. London: Institute for Strategic Dialogue

Sobre a Autora

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Eduarda Ferreira

Psicóloga Educacional - CICS.NOVA.

Interesses de investigação: web geoespacial, TIC na educação, inclusão digital, sexualidades e igualdade de género.