Adolescentes e bem-estar digital

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Ana Hermeto Kubrusly

Apesar de não haver consenso na comunidade científica sobre o que é o bem-estar digital, reconhece-se a importância de compreender melhor a relação entre bem-estar e tecnologias digitais, em especial em crianças e adolescentes.

Se para muitos adultos, o bem-estar digital está associado a oportunidades de realização e de integração social, para adolescentes está claramente associado a divertimento, lazer, aprendizagens de assuntos que lhes interessam e criação de laços afetivos com pares.

Sem dúvida que muitos adolescentes (como muitos adultos) vivenciam sentimentos de frustração face à falta de controlo que sentem em relação ao seu uso intensivo das tecnologias digitais. Uma frustração que pode estar associada ao atraso não intencional e irracional na realização de outras tarefas ou ao modo descuidado como são realizadas.

A investigadora alemã Mariek Vanden Abeele identifica esta situação como o paradoxo da conectividade. Por um lado, os utilizadores da internet vêem a conexão digital como parte do seu bem-estar, por outro lado, têm a sensação de descontrolo em relação ao tempo passado online, que pode resultar em consequências negativas.

Três perspetivas sobre o bem-estar digital

Para vários investigadores, como o suíço Moritz Büchi, o bem-estar digital envolve o impacto que riscos e benefícios decorrentes de práticas digitais têm na avaliação que um indivíduo faz da sua própria vida. Outros investigadores, como Mariek Vanden Abeele, relacionam o bem-estar digital com o equilíbrio que um indivíduo consegue estabelecer entre conexão e desconexão digital. Uma terceira abordagem, a contrario, opõe-lhe a adição à internet, que foi definida em 1998 pela psicóloga norte-americana  Kimberly Young a partir da literatura científica sobre adição a jogos.

Esta última abordagem foi a que mais se popularizou. A adição à internet é vista como um transtorno mental, mais especificamente um transtorno no controlo de impulsos. Este transtorno ainda não estava reconhecido na última edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria em 2013. Contudo, aí apontava-se a necessidade de mais estudos sobre adição a jogos online.

Adictos à internet?

Os adolescentes são vistos por cientistas do comportamento como um grupo etário particularmente vulnerável à adição, visto que tendem a procurar experiências de alto risco e de grande intensidade emocional.

Como vimos, a ideia de que ser adicto à internet, a jogos online, smartphones ou a redes sociais afeta o bem-estar do indivíduo está presente na sua definição pela negativa. Assim, o bem-estar digital existe quando o uso do meio digital não é considerado patológico, ou seja, não é compulsivo, excessivo ou desequilibrado.

Contudo, muitos investigadores criticam a procura de relações de causalidade direta. Por exemplo, quando se fazem associações diretas entre o tempo de ecrã e quadros depressivos ou quando se usam critérios únicos para diagnosticar e identificar usos problemáticos ou compulsivos dos meios digitais. Apontam que essa abordagem enfatiza a falta de autocontrolo e de responsabilidade individual do utilizador e que minimiza a pressão social e aspetos estruturais das plataformas digitais que condicionam o seu próprio uso.

Vanden Abeele ou Büchi, acima referidos, destacam não só aspetos e práticas individuais dos utilizadores, mas também aspetos estruturais e socioculturais que lhes são externos, como as dinâmicas comerciais do meio digital. Assim, as suas conclusões contrariam a ideia de que as tecnologias digitais têm efeitos uniformes nos utilizadores e apontam que usos digitais podem ter impactos positivos, negativos e neutros no bem-estar de maneira, dependendo do contexto do uso.

Crianças e adolescentes podem ser particularmente vulneráveis face a recursos usados pelas plataformas digitais, como o scroll infinito e o autoplay. Essas estratégias, características da economia da atenção, incentivam o uso ininterrupto, que gera mais lucro decorrente da recolha e venda de dados pessoais, e da publicidade exibida, como aponta este estudo. A falta de informação sobre a lógica comercial das redes, conectada aos algoritmos e à dataficação, pode alimentar a sensação de descontrolo e de frustração que tem impacto negativo na sensação de bem-estar.

Pistas para promover bem-estar digital

  • Não pensar o bem-estar apenas pela negativa: O ambiente online pode também oferecer ganhos para o bem-estar de crianças e adolescentes.
  • Ir além do “quanto tempo em frente aos ecrãs”: Estar atento ao modo como os meios digitais são usados, com quem (incluindo a família), onde, para quê.
  • Equilibrar conexão e desconexão: Ter consciência sobre como funciona o digital pode ajudar a resistir às pressões estruturais das redes.

Referências em acesso aberto

Büchi, M. (2021). Digital well-being theory and research. New Media & Society. https://doi.org/10.1177/14614448211056851

Kaye, L., Orben, A., A. Ellis, D., C. Hunter, S., & Houghton, S. (2020). The Conceptual and Methodological Mayhem of “Screen Time.” International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(10), 3661. https://doi.org/10.3390/ijerph17103661

Vanden Abeele, M. (2020). Digital Wellbeing as a Dynamic Construct. Communication Theory, 31(4), 932–955. https://doi.org/10.1093/ct/qtaa024

Sobre a Autora

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Ana Hermeto Kubrusly

Doutoranda em Ciências da Comunicação - NOVA FCSH.

Interessada na relação entre jovens e o meio digital, com atenção à datificação da infância e bem-estar digital.