Lei portuguesa penaliza condutas recorrentes de agressão online

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Maria João Leote de Carvalho

Crianças e adolescentes são por vezes alvo de agressão continuada online. Se o cyberbullying não existe como tipo de crime autónomo no Código Penal português, isso não quer dizer que condutas correspondentes ao cyberbullying não sejam punidas. Pelo contrário. Conheça o que diz a lei sobre os tipos de crimes que poderão ser considerados para o efeito e veja o que deve fazer numa situação destas.

Em Portugal, resultados do inquérito EU Kids Online 2019, com participantes entre os 9 e os 17 anos, mostram que, já antes da pandemia do Covid-19, o cyberbullying predominava sobre o bullying cara-a-cara. Mais de um quinto dos inquiridos indicava ter sofrido alguma situação deste género, várias vezes por mês, por várias vias, no ano anterior.

É importante que crianças e adolescentes cresçam em ambientes onde possam sentir-se à vontade para conversar sobre as suas preocupações, sentimentos e receios, evitando que se isolem e mantenham em segredo as ações que lhes causam dano. Ter alguém em quem possam confiar é decisivo para ultrapassar a vitimação online.

Educá-las para saberem interagir online e saberem distinguir e o que fazer perante comportamentos ofensivos é uma tarefa crucial para os seus cuidadores, seja na família, na escola ou noutros espaços que frequentem.

O que é o cyberbullying?

Trata-se de comportamentos em que o agressor ou agressora utiliza serviços de comunicação eletrónica para intencionalmente agredir, ameaçar, intimidar, coagir, perseguir ou assediar alguém, de forma reiterada.

O objetivo: perturbar, ofender, magoar, humilhar, amedrontar ou envergonhar a vítima, causar-lhe dor, desconforto ou medo, em situações de devassa da sua vida privada que se vão repetindo e que podem até envolver uma componente sexual. A vítima é assim afetada no seu quotidiano, podendo vir a desenvolver problemas graves de saúde.

Como ocorre?

Pode-se ser vítima de cyberbullying por vários meios: mensagens escritas (sms, mms, email, etc.); mensagens de voz; imagens, fotos e vídeos; comunicações em salas de chats e/ou redes sociais; e-mails contendo vírus; apropriação de passwords de email ou contas pessoais de aplicações da vítima (criação de perfis falsos, sabotagem e uso ilegítimo).

A vítima pode receber diretamente por canal privado, as comunicações com ofensas, insultos, ameaças ou outra informação que a prejudica ou até ver as suas contas pessoais de email ou aplicações serem ilegitimamente apropriadas e usadas por terceiros para, por exemplo, disseminação de informação falsa sobre si ou sobre outros.

Mas também pode ver esses mesmos materiais serem partilhados, sem o seu consentimento e conhecimento, em plataformas de mensagens, em redes sociais, em jogos, em salas de chats, chegando a um público mais vasto.

A vítima pode não ter conhecimento de onde partiu dado que, muitas vezes, o agressor usa estratégias para se manter anónimo online. É também difícil saber com precisão quantas pessoas tomaram conhecimento da situação e se não a reproduziram fazendo novas partilhas online, o que as torna cúmplices e agrava o problema. Assim, o cyberbullying é difícil de controlar e de resolver.

O que fazer?

O adulto responsável deve promover a referenciação ou denúncia da situação junto das autoridades competentes. Para isso, é importante:

  • Compreender que o cyberbullying não é uma brincadeira;
  • Manter a calma e não culpabilizar a vítima pelas ações que sofre;
  • Procurar o apoio especializado que seja necessário na escola, serviços de saúde ou outros que possam ter a confiança da criança ou adolescente e contribuir para a resolução do problema ou através de uma linha de apoio, como a Linha Internet Segura;
  • Guardar e preservar as mensagens / vídeos / outros materiais disseminados / enviados pelo agressor, mesmo que não conheça a sua identidade – assim fica com os registos que servirão de prova para a investigação criminal;
  • Elaborar um registo das ocorrências, reunindo o máximo de informação de que disponha (i.e., datas e horários, intervenientes conhecidos, números de telemóveis ou endereços de perfis pessoais ou páginas da Internet, teor das comunicações, entre outros);
  • Não fazer novas partilhas desses materiais junto da família, amigos ou plataformas públicas na ânsia de chegar à identificação do agressor nem retaliar pois acaba por expor novamente a criança ou adolescente e agravar a sua situação;
  • Desde que salvaguardadas as possibilidades de manutenção dos registos que servirão para prova dos factos, bloquear os canais de acesso do agressor à vítima e/ou removê-la dos grupos onde a partilha da informação acontece;
  • Apresentar denúncia junto das autoridades policiais ou serviços do Ministério Público.

Casos há em que acaba por ser a criança ou adolescente a solicitar o apoio na escola ou entidades que frequenta ou a dirigir-se presencialmente, por mail, telefone ou por escrito à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, a uma esquadra de polícia, a serviços do Ministério Público ou Linhas telefónicas de apoio, sendo depois contactados os seus pais /cuidadores. 

Onde se enquadra o cyberbullying na lei penal portuguesa?

Se o cyberbullying por si só não é crime, então que tipos de crime previstos no Código Penal português podem ser considerados para avançar com a intervenção do sistema de justiça?

Entre outros, os comportamentos de cyberbullying podem enquadrar-se como crime ou combinação de crimes de: Ameaça (Artigo 153.º); Coação (Artigo 154.º); Perseguição (Artigo 154.º-A); Difamação (Artigo 180.º); Injúria (Artigo 181.º); Devassa da vida privada (Artigo 192.º); Devassa por meio de informática (Artigo 193.º); Gravações e fotografias ilícitas (Artigo 199.º).

Quando os agressores são maiores de 16 anos de idade, ficam sujeitos à aplicação da lei penal.

Se os agressores tiverem entre 12 e 16 anos, podem ser sujeitos a aplicação de medidas previstas na Lei Tutelar Educativa. Caso sejam menores de 12 anos, aplica-se a Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

Mais recomendações disponíveis em brochura editada pela Ordem dos Psicólogos aqui.


Referências

Conselho da Europa (2021).Elimine a exclusão e o bullying online e offline! Para professores., em https://criaon.fcsh.unl.pt/wp-content/uploads/2022/12/PREMS-152821-PRT-DEPLIANT-BULLYING-FOR-TEACHERS-A4-WEB.pdf

Código Penal Português (1982[versão mais recente, 2021]).Decreto Lei n.º 48/95, de 15 de março, com as alterações introduzidas na sua 55.ª versão, Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, em https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-lei/1995-34437675

Ordem dos Psicólogos (2020).Covid-19 Recomendações para Pais, Cuidadores e Professores Cyberbullying e Segurança Online, em https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_cyberbullying_pais.pdf

Ponte, Cristina e Batista, Susana (2019). Relatório Final EU Kids Online 2019. Usos, Competências, Riscos e Mediações da Internet reportados por Crianças e Jovens (9 -17 anos), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em https://fabricadesites.fcsh.unl.pt/eukidsonline/wp-content/uploads/sites/36/2019/03/RELATO%CC%81RIO-FINAL-EU-KIDS-ONLINE.docx.pdf

Nota

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do CEEC Individual – 2021.00384.CEECIND/CP1657/CT0022

Sobre a Autora

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Maria João Leote de Carvalho

Investigadora Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Tem desenvolvido investigação participativa com crianças para entender como essas podem contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação de cariz sócio-técnico.