Quem são as crianças e adolescentes que agridem online?

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Cristina Ponte, Maria João Leote de Carvalho e Susana Batista

Num recente estudo europeu que auscultou mais de 25 mil crianças e adolescentes, 1440 referiram ter praticado atos agressivos online no ano anterior. Quem são e quais são as suas práticas digitais? Que vulnerabilidades apresentam? Uma análise sobre as suas respostas identificou três perfis que convidam a pensar sobre mediação familiar e medidas de intervenção social.

A agressão online é um tema atual, que preocupa famílias, professores e outros profissionais pela sua presença e consequências no quotidiano de muitas crianças. Por isso, é o foco de um crescente número de pesquisas como esta.

O questionário europeu EU Kids Online, realizado em 19 países em 2017-19 e disponível em português, o termo “agressão online”  era apresentado às crianças e adolescentes (9-16 anos) como significando interações prejudiciais mediadas por tecnologias digitais, repetidas ou não ao longo do tempo, e podendo abranger comportamentos de assédio, ameaçadores, constrangedores, indesejados e/ou excludentes em relação a outro indivíduo.

Foram 1440 as crianças e adolescentes europeus que nesse questionário assinalaram ter-se envolvido em atos agressivos online no ano anterior, de acordo com a sua perceção. A análise às suas respostas sobre características pessoais, relação com pares, ambiente familiar e usos digitais permitiu identificar três perfis, aqui sumariamente apresentados.

Perfil 1 Pouco uso, agressividade emergente (N= 219)Perfil 2 Uso elevado, agressividade elevada (N= 290)Perfil 3 Uso elevado, agressividade ocasional (N= 901)
Quase todos têm menos de 12 anos;Quase todos têm mais de 12 anos;Nove em dez têm entre 12 e 16 anos;
Um pouco mais de rapazes do que de raparigas;Sete em dez são rapazes; Um pouco mais de rapazes do que de raparigas;
Passam menos tempo na internet do que os dois outros grupos;São os que passam mais tempo na internet, os que avaliam de modo mais elevado as suas competências digitais, os que apresentam mais comportamentos problemáticos a nível emocional e social;Três em quatro confiam que sabem o que fazer se alguém agir online de um modo de que não gostam;
Cerca de um em três sente-se muitas vezes infeliz, sem autocontrolo, é acusado de comportamento antissocial, acha mais fácil ser ele mesmo e falar sobre coisas diferentes online do que cara a cara;São de longe os mais envolvidos em atividades online, onde se expõem e assumem riscos relacionados com a sua privacidade e segurança; – São os que reportam práticas mais agressivas e situações de vitimização mais intensa, online e offline;Cerca de dois terços sentem-se seguros online;
Um em cinco faz coisas excitantes, mesmo que sejam perigosas;Cerca de sete em dez sentem-se muitas vezes ou quase sempre seguros online;Mais de metade avalia as suas competências digitais como elevadas;
Cerca de um em cinco já foi enganado online, gastou muito dinheiro em compras e jogos e sofreu abuso de identidade;Mais de metade faz coisas excitantes mesmo que sejam perigosas, perde o autocontrolo e sente-se infeliz;Quase metade considera que as pessoas online são gentis e que gostam de ajudar;
São os que mais referem ter tido situações online que os incomodaram;Mais de metade diz que os pais raramente conversam com eles sobre o que fazem online;Cerca de um terço muitas vezes perde o autocontrole e faz coisas excitantes online;
Mais de metade diz que os pais não conversam com eles sobre o que fazem online;Comportamentos antissociais são menos relatados do que noutros grupos;
Menos situações problemáticas relacionadas com dinheiro, informações pessoais ou fingir ser um tipo diferente de pessoa.
Os que referem perceções mais elevadas sobre a atenção, apoio e segurança dada pela família.

O que estes resultados apontam

  • Em quase metade das respostas, a agressão anda de mãos dadas com situações de vitimização;
  • Os três perfis têm em comum níveis elevados de privação emocional, uma sensação exacerbada de segurança online e de confiança nas suas próprias capacidades para lidar com situações problemáticas, apesar das experiências de vitimização;
  • Um baixo autocontrolo é a dimensão mais associada com a agressão online, em linha com o que nos demonstram estudos internacionais;
  • A vulnerabilidade emocional pode ser agravada pela ineficácia da mediação parental online, que se faz sentir nos dois primeiros perfis;
  • A prática ocasional de atos considerados pelo próprio como agressivos é de longe a mais reportada (perfil 3);
  • O envolvimento frequente em atos agressivos e desempenhos online intensos relacionados com comunicação e participação caraterizam o Perfil 2. Estes Masters do digital apresentam níveis elevados de vulnerabilidade emocional, práticas transgressoras e consciência dos olhares negativos que recaem sobre si.
  • O risco de crianças que estão no Perfil 1 evoluir para adolescentes como os do Perfil 2 é relativamente elevado. Para isso podem contribuir os seus traços psicológicos e comportamentos de risco, bem como a falta de supervisão e comunicação com a família;

Esta relação entre vitimização e agressão aponta para:

  • Maior probabilidade de comportamento agressivo online se as crianças não beneficiarem de supervisão adequada e de influências pró-sociais quando usam tecnologias digitais.
  • A necessidade de atenção por parte das famílias e educadores às características psicológicas e comportamentais das crianças, em programas educacionais;
  • Uma comunicação familiar ativa e atenta, desde os primeiros anos de escolaridade.
  • Evitar o uso das categorias dicotomizadas vítima versus agressor quando estamos perante crianças e adolescentes com comportamentos problemáticos.

Como vemos, vítima e agressor caraterizam muitas vezes a mesma criança.


Referência

Ponte, Cristina, Carvalho, Maria João Leote & Batista, Susana. “Exploring European childrenʼs self-reported data on online aggression” Communications, vol. 46, no. 3, 2021, pp. 419-445. https://doi.org/10.1515/commun-2021-0050

Nota:

A participação de Maria João Leote de Carvalho neste trabalho é financiada por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do CEEC Individual – 2021.00384.CEECIND/CP1657/CT0022

Sobre as Autoras

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Cristina Ponte

Professora Catedrática - NOVA FCSH. ICNOVA

Tem investigado a relação de crianças e jovens com os media na perspetiva dos seus direitos e contextos familiares em projetos nacionais e europeus.

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Maria João Leote de Carvalho

Investigadora Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Tem desenvolvido investigação participativa com crianças para entender como essas podem contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação de cariz sócio-técnico.

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Susana Batista

Professora Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Além de investigar e intervir na educação e formação de professores, tem explorado as competências digitais de jovens, a mediação parental e a cidadania digital.