Direitos digitais: Como achas que está a tua língua na internet?

Avatar photo

Cristina Ponte

Em 2019, 709 adolescentes de 28 países, entre os quais Portugal, foram auscultados sobre os seus direitos na era digital. Entre os vários debates, um incidia no direito à Língua e à Cultura na era digital. Para muitos, esse direito não está a ser realizado: “Kriolo, a minha língua principal, nunca está na internet”.

Para esta auscultação sobre os direitos no contexto em digital, realizaram-se em Portugal três oficinas, duas com adolescentes de periferia e uma com adolescentes com deficiência auditiva para quem a língua gestual portuguesa (LGP) é a sua língua principal. Depois de assinalarem até que ponto era fácil encontrar informação na internet sobre vários temas – saúde, política ou governo, direitos da criança, entretenimento, recursos educativos, vídeos do Youtube, notícias, websites para a sua idade – na sua primeira língua, estes adolescentes revelam um sentimento de exclusão:

Como achas que está a tua língua na internet? Deveria mudar? Se sim, como?

Este adolescente que comunica em Língua Gestual Portuguesa assinalou os locais onde se fala Português (verde) e Kriolo, que coloca como sua língua principal.
  • “A minha língua está mal na internet. Sim!! Porem mais coisas em português, mais portugueses a terem possibilidade de criar websites em português. EM INGLÊS NÃO PERCEBO NADA!! Às vezes em alguns sites as coisas em português estão em português do Brasil.”
  • “Está pouco visível e pt não é uma língua muito falada. Sim, deveria mudar porque não percebo muito bem outras línguas.”
  • “Kriolo, a minha língua principal nunca está na internet. Tinha que mudar. Só está no Facebook. LGP é a mesma coisa, há menos LGP na internet.”
  • “Eu, como toda a comunidade de surdos, gostaria mesmo de chamar a atenção do governo e do primeiro-ministro para explicarmos os nossos problemas. Tentamos lutar para que a comunidade de ouvintes não nos veja como nada e para que Portugal escute os problemas da comunidade dos surdos.”
  • “A nossa língua gestual na internet não está bem. Sim, deveria mudar muita coisa. Os textos bem explicados com forma que nos percebemos.”

Esta auscultação a adolescentes, sobre os seus contextos digitais, foi realizada em 2019 e viria a ser incorporada no Comentário Geral nº 25, documento que atualiza a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança na era digital, publicado no início de 2021.

Em Portugal, os 34 participantes entre 12 e os 17 anos discutiram várias  Operações relacionadas com contextos e direitos. Estas atividades, disponíveis nos Recursos CriaA.On, foram criadas por equipa coordenada por Amanda Third, do Young and Resilient Research Centre, da Western Sidney University, Austrália.

Em cada país participante, esses materiais foram traduzidos e usados em oficinas com adolescentes que aceitaram participar na iniciativa. Os seus contributos, nas suas próprias línguas, foram depois traduzidos para inglês e analisados em conjunto. A iniciativa contou com o apoio da London School of Economics (LSE) e da 5Rights Foundation. O relatório Our rights in a digital World dá conta dessa consulta.

Além desta auscultação a adolescentes, o Comentário Geral nº 25 teve em conta relatórios nacionais, a discussão geral sobre os meios digitais e direitos da criança, a jurisprudência dos conteúdos de tratados de direitos humanos, recomendações do Conselho dos Direitos Humanos, e duas rondas de consulta com Estados, especialistas e outros parceiros.

Propósitos do Comentário Geral nº 25

Este documento das Nações Unidas considera que um acesso digital de qualidade pode contribuir para a realização dos direitos civis, políticos, culturais, económicos e sociais das crianças. Mais: se a inclusão digital não se realizar, aumentam as desigualdades existentes e podem surgir novas desigualdades.

Para isso, elucida de que modos os Estados membros devem implementar a Convenção sobre os Direitos da Criança – ratificada por praticamente todos os países há mais de três décadas – em relação ao ambiente digital. Desse modo, serve de orientação para medidas legislativas e políticas relevantes para o cumprimento das obrigações dos Estados relativamente à Convenção e aos Protocolos Opcionais, considerando as oportunidades, riscos e desafios na promoção, respeito, proteção e preenchimento de todos os direitos das crianças no ambiente digital.

Como se assinala na introdução, este documento deve ser lido em conjunto com outros comentários gerais do Comité para os Direitos da Criança, e com as orientações sobre a implementação do protocolo opcional sobre venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil.

Sobre a Autora

Avatar photo

Cristina Ponte

Professora Catedrática - NOVA FCSH. ICNOVA

Tem investigado a relação de crianças e jovens com os media na perspetiva dos seus direitos e contextos familiares em projetos nacionais e europeus.