Inteligência Artificial explicada por um jovem de 17 anos (III)

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Viktoriia Goncharenko e Cristina Ponte

Dicas, sentido crítico e expetativas sobre este novo “canivete suíço” que é a Inteligência Artificial Generativa. Última parte da entrevista a Andrei, jovem russo estudante de Informática a viver há um ano em Portugal.

Andrei, para uma pessoa conseguir o resultado que se quer com a inteligência artificial generativa, o que será o mais importante?

Olha, tens uma tarefa, descreve as condições. Tipo: tenho isto, isto e isto, e preciso disto para fazer aquilo. Ou seja, dás-lhe o contexto, para ela perceber com o que está a lidar.
Se tens um problema, explicas qual é. Nem precisas escrever como um texto formal. Podes listar tudo por pontos, por frases curtas.

Ou seja, o conselho seria: quanto mais detalhes deres, mais isso te vai ajudar, certo?

Exato. Mas quando estás a criar imagens, aí é diferente. Alguns sites já têm prompts padrão ou campos específicos para dizer o que não queres que apareça na imagem. Normalmente, esses prompts são só palavras ou expressões curtas separadas por vírgulas. Tipo: “BMW branco, fundo dourado, céu vermelho, noite”. Assim funciona melhor. E como vi que esses exemplos estavam escritos assim, pensei: “ok, então é assim que se faz”, e resultou.

E como é que percebes se uma resposta é de qualidade ou não?

Isso depende muito daquilo que estás a perguntar. Mas se perguntas uma coisa onde não é só desejável — é mesmo preciso — que a resposta esteja certa, aí tem de ser sempre verificado. Por exemplo, se estou a escrever um código de que não tenho a certeza, e é um código muito, muito importante — pode ser um ficheiro, um script —, às vezes procuro aquilo num fórum. Se encontrar, mas não perceber completamente, pergunto ao ChatGPT, comparo o que já sei com o que o ChatGPT escreve. E se eu não faço ideia do que ele está a dizer, tento perguntar para ele me explicar o que acabou de escrever. Porque ele é só uma ferramenta. Não é uma coisa omnisciente, porque também erra.

E achas que pode ser criativo? Quer dizer, criativo no sentido de criar algo sozinho, sem tu pedires diretamente. Tipo, gerar uma coisa nova do nada.

É que eu não sei mesmo como é que ele faria isso. Porque ele gera sempre a partir de alguma coisa que tu escreveste. Tipo, se fores a um gerador de imagens, ele não vai criar nada enquanto não escreveres o prompt. Não tem como. Eu acho que, por exemplo, o ChatGPT não tem como pensar, ou refletir, fora do contexto do prompt. Ele está sempre dentro desse contexto, desse pedido que tu fazes. Ele precisa de dados de entrada. Depois processa isso e dá uma saída. Mas se não tiver entrada, o que é que ele vai processar? No fundo, não consegue fazer nada. Não consegue processar nada sozinho. Quer dizer… Se ele não tiver o que processar, ele não pensa. Não tem como acontecer nada dentro dele. Não tem ideias próprias. Não é como o nosso cérebro. Nós estamos sempre a pensar, a ter ideias. O ChatGPT precisa de dados de entrada para dar uma saída. Sem prompt, ele não tem nada, mesmo.

Ok. Diz-me uma coisa: tu consegues ver o ChatGPT como um amigo? Sentes alguma coisa, algum tipo de emoção, ao usar a Inteligência Artificial?

Olha, neste momento, no ambiente em que estou, toda a gente entende que isto é uma ferramenta. Uma ferramenta muito inteligente, um canivete suíço super útil — serve de colher, de alicate, de tudo — mas continua a ser uma ferramenta. Porque nós usamos muitas redes neuronais na escola. E nós sempre aprendemos que isto são só ferramentas, e é assim que toda a gente à minha volta pensa.

Está bem. E achas que a inteligência artificial pode ter impacto na tua vida daqui a dez anos?

Bem… há quem diga, existem teorias, de que provavelmente, daqui a dez anos, a IA já vai conseguir escrever código suficientemente bem para dispensar o envolvimento humano. Mas eu acho que nunca se vai chegar ao ponto de se confiar um trabalho mesmo importante à inteligência artificial. Custa-me imaginar uma rede neural tão avançada que se torne numa espécie de grande pirâmide inteligente onde nós vamos e perguntamos “qual é o sentido da vida?”. Muita gente já me disse “olha que os programadores vão ser substituídos, devias era ter ido para soldador”.

Tens esse medo?

Acho que se substituírem, e até pode ser que substituam, vai ser nas áreas menos complexas, tipo design de sites. Isso até já acontece. O design de sites com HTML e CSS já se faz tranquilamente com a ajuda da IA, sem grandes questões. Mas escrever um sistema operativo, um ecossistema, ou software para controlar aviões… isso, neste momento, ninguém vai deixar uma rede neural fazer. Porque aí não pode haver erro nenhum, mesmo. Um erro pode ter consequências horríveis.

Mas as pessoas também cometem erros…

Sim, isso também é verdade. Mas quem erra mais: redes neurais ou pessoas? O que eu reparei é que o GPT normal às vezes não consegue verificar a informação a 100%. Se toda a gente disser que o céu é vermelho, o GPT vai ler isso e dizer-te “sim, é vermelho”. Depois tu sais à rua, olhas… afinal é azul. O GPT aceita muito facilmente que algo está certo só porque parece certo, mesmo que não esteja. E ele não tem como verificar. Acho que essa é uma fraqueza dele. Porque eu posso verificar.

Muito bom. Olha, queria agradecer-te. Foi mesmo interessante. Queres dizer mais alguma coisa para terminar?

Sim, foi uma boa conversa. Ah, queria contar-te uma coisa interessante sobre IA, mas não sabia onde encaixar.

Diz lá!

Antigamente havia uma piada na net — diziam, na brincadeira, que o ChatGPT não era IA, que eram só uns indianos a responder do outro lado. Só que há pouco tempo — este ano, há uns meses — descobriu-se um caso real. Havia uma “rede neural” chamada Natasha AI, supostamente feita para programação. Mas depois veio a saber-se que não era nada uma IA. Eram mesmo 100 programadores indianos mal pagos a escrever o código. E encerraram aquilo, claro — estavam a enganar as pessoas. Fiquei mesmo surpreendido quando soube.

Isso dá que pensar — às vezes as coisas que achamos impossíveis até podem ser verdade. Pronto, muito obrigado, Andrei.

Nota: Esta entrevista faz parte do trabalho final de Viktoriia Goncharenko, para o Seminário de Mestrado em Media, Crianças e Jovens, na NOVA FCSH (2024-2025). Teve como base a adaptação do guião de entrevista para o estudo europeu em curso sobre Jovens e Inteligência Artificial Generativa, da rede EU Kids Online. À perspetiva deste jovem estudante de Informática, expressa numa linguagem clara e acessível mas que não esgota a tema, gostaríamos de juntar mais perspetivas que contribuam para desvendar os desafios desta forma de Inteligência Artificial que irrompeu nos últimos anos nas nossas vidas.

Sobre as Autoras

Viktoriia Goncharenko

Estudante de Mestrado em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo na Universidade NOVA de Lisboa

Os seus interesses de investigação incluem a adaptação de adolescentes migrantes em Portugal, o papel da inteligência artificial nos processos de aprendizagem de alunos com língua não materna e as representações mediáticas da migração.

Cristina Ponte

Professora Catedrática - NOVA FCSH. ICNOVA

Tem investigado a relação de crianças e jovens com os media na perspetiva dos seus direitos e contextos familiares em projetos nacionais e europeus.