Jovens online: que diferenças entre rapazes e raparigas?

Avatar photo

Eduarda Ferreira

Falar em jovens é falar em práticas digitais, vida online, smartphones e redes sociais. Esta é a realidade atual, transversal a diversas geografias, incluindo Portugal. Uma realidade que não tem sido vivida do mesmo modo por rapazes e raparigas, com eles a manifestar mais segurança.

Esta realidade preocupa familiares e educadoras/es que se questionam sobre o tempo excessivo em frente aos ecrãs e a dificuldade em desligar da internet. Mas o que a investigação nos diz que verdadeiramente importa é o onde, quando e porquê estão online, a que conteúdos acedem, se as relações sociais se intensificam ou se reduzem por causa do tempo de ecrã.

Se na intensidade das práticas digitais e no tempo que estão online não existem diferenças entre rapazes e raparigas, o tipo de atividades mais frequente é diferente, assim como a sua perceção da internet, as estratégias de mediação parental, e a auto perceção das competências digitais. As raparigas utilizam mais os smartphones e estão mais nas redes sociais; os rapazes jogam mais online e utilizam mais computadores portáteis[1]. Elas, mais presentes em atividades de socialização e comunicação; eles, em atividades relacionadas com a competição.

Perceção da internet e resiliência digital

Embora habitem o mesmo espaço online, a internet, raparigas e rapazes têm algumas diferenças na forma como o percepcionam. Eles têm uma perceção mais positiva e sentem-se em segurança mais vezes do que elas. Por outro lado, temos mais raparigas a sentirem-se incomodadas e a relatarem experiências negativas na internet.

Estas diferentes percepções e sentimentos têm efeitos no tipo de atividades realizadas e nas competências desenvolvidas[2]. Quanto mais atividades se realizam, e mais riscos ousam correr, mais poderão as/os jovens desenvolver a sua resiliência digital. Por resiliência digital, entendemos a capacidade de entender quando se está em risco online, saber o que fazer se algo correr mal, aprender com a experiência de estar online e ser capaz de recuperar de dificuldades ou más experiências. Sabemos que a resiliência digital é central para as/os jovens lidarem com os desafios do mundo digital, o que coloca as raparigas em desvantagem.

Estratégias de mediação parental

Também temos as famílias mais preocupadas com a segurança das raparigas e uma maior restrição na utilização da Internet. Um estudo recente evidenciou diferentes estratégias de mediação parental para raparigas e rapazes: mais promoção da autonomia e da exploração das práticas digitais para os rapazes, e mais centrada nas questões relacionadas com a segurança para as raparigas[3]. Ao limitar ou controlar mais o acesso à Internet das raparigas do que dos rapazes, as famílias podem influenciar negativamente o desenvolvimento e a autorrepresentação de competências digitais das raparigas, o que pode ter consequências potencialmente duradouras nas suas vidas pessoais e profissionais.

Auto perceção das competências digitais

Considerando as percepções sobre a internet e as estratégias de mediação parental, percebemos porque é que na auto perceção das competências digitais, temos os rapazes a afirmar ter mais competências digitais e a revelar mais autoconfiança na utilização de computadores e da Internet. As diferentes autorrepresentações em relação às competências têm um impacto direto nas decisões de percurso educativo, nas escolhas profissionais e nas aspirações para o futuro[4]. É importante percebermos que a menor presença de raparigas nas profissões relacionadas com as tecnologias não está relacionada com diferenças inatas de aptidões entre raparigas e rapazes, mas sim com os contextos sociais e os estereótipos de género[5].

Como promover a igualdade?

Estudos sobre as práticas digitais de jovens identificam a reprodução dos estereótipos de género, as ideias preconcebidas pelas quais são atribuídos arbitrariamente a mulheres e homens características e papéis determinados e limitados pelo seu género, como dão conta plataformas europeias.

Sabemos que não é só por uma maior utilização de tecnologias por parte das raparigas que se ultrapassam as desigualdades. Mais importante do que termos igual número de rapazes e raparigas a utilizar tecnologias digitais é a criação de contextos que permitam a crianças e jovens expressarem com maior liberdade as suas identidades, transcendendo as categorias de género estereotipadas, ampliando o leque de opções disponíveis e abrindo novos e diversificados espaços de experiências e de identidades tanto para as raparigas como para os rapazes.

No último inquérito do EU Kids Online em Portugal1 a escola surge como um espaço de maior igualdade do que a família. Rapazes e raparigas referem igualmente que docentes as/os encorajam a explorar e aprender coisas com a internet, promovendo uma maior igualdade de género nas práticas digitais. Estes dados apontam para o papel das escolas como poderosos instrumentos na promoção da igualdade de género nas práticas digitais. Numa sociedade cada vez mais digital as escolas são um dos principais instrumentos para que rapazes e raparigas possam desenvolver em igualdade as suas competências digitais.


Referências

[1] Ponte, C. & Batista, S. (2019). EU Kids Online Portugal. Usos, competências, riscos e mediações da internet reportados por crianças e jovens (9-17 anos). EU Kids Online e NOVA FCSH.

[2] Ferreira, E., & Cardoso. D. (2020). Género e experiências digitais. Tensões entre estereótipos e autonomias. In C. Ponte (Org.), NÓS NA REDE: Ambientes digitais de crianças e jovens. (pp. 19-36). Coimbra: Edições Almedina.

[3] Ferreira, E., Ponte, C., Castro, T. S. (2017). ICT and Gender: Parental Mediation Strategies, in SIIE 17 Simpósio Internacional de Informática Educativa, Lisboa, Portugal, novembro 9-11 2017, pp. 135-140. DOI: 10.1109/SIIE.2017.8259671

[4] Ferreira, E. (2017). The co-production of gender and ICT: Gender stereotypes in schools. First Monday, 22(10). DOI:10.5210/fm.v22i10.7062

[5] OECD (2015). The ABC of Gender Equality in Education: Aptitude, Behaviour, Confidence. Paris: OECD Publishing.

Sobre a Autora

Avatar photo

Eduarda Ferreira

Psicóloga Educacional - CICS.NOVA.

Interesses de investigação: web geoespacial, TIC na educação, inclusão digital, sexualidades e igualdade de género.