Gisela Canelhas
19 de Abril, 2023
Muitos dos conteúdos disponibilizados no YouTube e ininterruptamente recomendados por algoritmos aparecem como “educativos”, deixando os pais tranquilos na navegação aí feita pelos filhos. Mas será que eles estão realmente a aprender? Como avaliar a qualidade educativa dos vídeos? E o que se pode fazer, no Jardim de Infância ou em casa, para chegar a playlists de vídeos realmente educativos?
Sem dúvida que as crianças podem usufruir com proveito de conteúdos audiovisuais, alimentando o seu prazer pela repetição, a cor, o humor ou a musicalidade. E quando esses conteúdos são construídos com critérios educativos adequados ao seu nível de desenvolvimento, podem realizar-se mesmo aprendizagens em vários domínios. Assim, os vídeos educativos podem ser valiosos aliados para a aprendizagem, desde que bem construídos. O segredo é saber escolhê-los e mediá-los antes de os mostrar à criança. Passamos a explicar.
A recomendação dos algoritmos não garante a qualidade dos vídeos
O tempo de lazer é importante para o bem-estar nas crianças e um direito que lhes assiste. Por isso, os bons programas educativos conseguem combinar a componente de entretenimento com a didática e têm humor, qualidade estética, música, ritmo, personagens com traços fortes e algum suspense (recordam-se da Rua Sésamo?). Todos esses aspetos, juntamente com o seu currículo, constituem a sua qualidade pedagógica.
Quando procura um vídeo para uma criança, os algoritmos do YouTube sugerem-lhe conteúdos que são mais prováveis de ser do agrado do utilizador, independentemente da sua qualidade pedagógica ou de serem adequados para quem os vai ver. Quando deixadas sozinhas a usar essa plataforma de streaming, as crianças pequenas tendem a carregar nas vinhetas de recomendação para passarem para os vídeos seguintes, o que faz com que os algoritmos lhes continuem a mostrar mais vídeos semelhantes aos anteriores.
Para contornar esta lógica, construímos uma ferramenta digital para avaliar a qualidade pedagógica de vídeos educativos. Designada como EVAT, sigla inglesa de Educational Videos Assessment Tool, esta ferramenta considera o papel mediador das famílias, profissionais de educação e de produtores de conteúdos audiovisuais.
Em três passos, os interessados podem saber se um determinado conteúdo é realmente educativo, como explicamos na atividade de avaliação disponível nos Recursos CriA.On (ver abaixo).
Como o cérebro aprende com vídeos – a história do EVAT
Esta ferramenta foi construída com base em estudos que demonstram que é fundamental conhecer como o cérebro das crianças opera, dado que as suas capacidades cognitivas ainda estão em desenvolvimento. Este conhecimento é muitas vezes ignorado pelas empresas por razões comerciais, porque o carimbo de “educativo” atrai positivamente a atenção dos adultos. E assim muitos conteúdos são classificados como “educativos” sem terem por detrás uma comprovada qualidade pedagógica.
Para um conteúdo ser educativo, importa ter presente duas dimensões: a cognitiva e a pedagógica.
A dimensão cognitiva envolve estratégias que facilitam o processamento da informação e diminuem o esforço cognitivo nesse processo, como o uso de cenários familiares, narrativas sequenciais, diálogos simples e personagens diversificadas, com quem a criança se possa relacionar. Estas estratégias ajudam a que a criança se possa concentrar no conteúdo (educativo, neste caso) sem ter de processar outros elementos.
A dimensão pedagógica considera estratégias que estimulam a aquisição dos conteúdos educativos. Por exemplo, técnicas de recrutamento da atenção, como estímulos sonoros ou musicais, ou o reforço da aprendizagem pela apresentação de estímulos complementares. São exemplos destas estratégias a interação das personagens do vídeo com a criança, ou a explicação e ilustração do novo vocabulário apresentado.
Assim, reunimos no EVAT um conjunto de estratégias cognitivas e pedagógicas recomendadas em diversos estudos e construímos os itens do questionário.
Validação da ferramenta EVAT em Portugal
Para validarmos esta ferramenta em Portugal, fizemos um estudo com 186 crianças em idade pré-escolar, meninos e meninas a viverem em diferentes contextos, urbanos e rurais, todas tendo o português como sua língua materna.
Os resultados das tarefas que estas crianças realizaram comprovam que as estratégias – cognitivas e pedagógicas – fazem a diferença para a aprendizagem através de vídeos. Contudo, nem todas têm o mesmo peso, sendo as estratégias cognitivas mais importantes do que as pedagógicas. Por exemplo, a proximidade com o ambiente, a clareza dos diálogos e a ligação às personagens são mais importante do que a ilustração do significado de novas palavras ou a interpelação direta. Por isso, os itens do questionário têm pontuações diferentes entre si.
Como os estudos internacionais já apontavam e esta pesquisa confirmou, dois fatores são fulcrais para garantir a adequação de vídeos educativos:
– A segurança, que se traduz na exposição a conteúdos não agressivos ou que afetem de algum modo a integridade física e psicológica da criança;
– A idade da criança: a capacidade de aprendizagem cresce com a idade, e a idade mínima para que esse processo de aprendizagem audiovisual ocorra é acima dos três anos.
Construindo playlists de vídeos educativos
Para garantir que as crianças tenham possibilidade de usufruir conteúdos de qualidade e que possam aprender com os vídeos que veem, sugerimos uma tarefa colaborativa, que pode ter no Jardim de Infância um espaço dinamizador.
1. Vários pais podem juntar-se na avaliação de vídeos para crianças disponíveis em várias plataformas; se a ação for dinamizada no Jardim de Infância e envolver os pais das crianças por salas, será possível chegar a um número elevado de vídeos;
2. Cada encarregado de educação escolhe dois ou três vídeos para analisar no EVAT e comunica o resultado ao grupo de pais da sala; isso permite chegar ainda uma tabela mais extensa de resultados, tornando possível a triagem dos vídeos que são educativos.
3. Nessa listagem, pode também recolher e incorporar as reações das crianças, quais foram os vídeos que mais apreciaram mais, quais não suscitaram o seu interesse.
4. Com base nestas avaliações, pode ser organizada uma playlist com os vídeos que tiverem melhor classificação, e ser difundida junto de outros pais, por outros jardins de infância e por outras vias.
5. Esta playlist pode ser sistematicamente atualizada, de modo a ir incluindo vídeos mais recentes.
De igual modo, recomendamos às famílias que:
- Usem o EVAT para avaliar os vídeos cujos temas sejam do interesse das vossas crianças e criem as vossas playlists em casa. Há crianças com interesses muito específicos e, para além disso, pode ser útil ter playlists separadas por temas.
- Partilhem as vossas playlists com outras famílias e amigos, de modo a chegar ao maior número de pessoas possível.
- Sempre que possível, aproveitem para visionar e mediar os vídeos com as crianças. Vários estudos demonstram que quando os adultos conversam com a criança sobre o vídeo, aprofundando o seu conteúdo, a aprendizagem ocorre muito mais facilmente.
- Não se incomodem por as crianças repetirem os mesmos vídeos: quando gostam dos vídeos, as crianças não se cansam de os ver e a repetição é chave para a consolidação de conhecimentos.
Com estas atividades partilhadas, poderão contribuir para mediar as recomendações automáticas dos algoritmos das plataformas e garantir bons hábitos digitais desde a infância.
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Esta ferramenta permite avaliar a qualidade pedagógica de vídeos educativos e a sua adequação à idade. Escolha o vídeo, preencha o questionário e receberá e-mail com a pontuação do vídeo que escolheu.
Atividade
Sobre a Autora
Professora de educação musical doutorada em Media Digitais.
Principais interesses: conteúdos educativos digitais; criação audiovisual para crianças; tecnologia e aprendizagem; media digitais e desenvolvimento cognitivo.