Nem tudo o que vem à rede… é vídeo educativo

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Gisela Canelhas

Muitos dos conteúdos disponibilizados no YouTube e ininterruptamente recomendados por algoritmos aparecem como “educativos”, deixando os pais tranquilos na navegação aí feita pelos filhos. Mas será que eles estão realmente a aprender? Como avaliar a qualidade educativa dos vídeos? E o que se pode fazer, no Jardim de Infância ou em casa, para chegar a playlists de vídeos realmente educativos?

Sem dúvida que as crianças podem usufruir com proveito de conteúdos audiovisuais, alimentando o seu prazer pela repetição, a cor, o humor ou a musicalidade. E quando esses conteúdos são construídos com critérios educativos adequados ao seu nível de desenvolvimento, podem realizar-se mesmo aprendizagens em vários domínios. Assim, os vídeos educativos podem ser valiosos aliados para a aprendizagem, desde que bem construídos. O segredo é saber escolhê-los e mediá-los antes de os mostrar à criança. Passamos a explicar.

A recomendação dos algoritmos não garante a qualidade dos vídeos

O tempo de lazer é importante para o bem-estar nas crianças e um direito que lhes assiste. Por isso, os bons programas educativos conseguem combinar a componente de entretenimento com a didática e têm humor, qualidade estética, música, ritmo, personagens com traços fortes e algum suspense (recordam-se da Rua Sésamo?). Todos esses aspetos, juntamente com o seu currículo, constituem a sua qualidade pedagógica.

Quando procura um vídeo para uma criança, os algoritmos do YouTube sugerem-lhe conteúdos que são mais prováveis de ser do agrado do utilizador, independentemente da sua qualidade pedagógica ou de serem adequados para quem os vai ver. Quando deixadas sozinhas a usar essa plataforma de streaming, as crianças pequenas tendem a carregar nas vinhetas de recomendação para passarem para os vídeos seguintes, o que faz com que os algoritmos lhes continuem a mostrar mais vídeos semelhantes aos anteriores.

Para contornar esta lógica, construímos uma ferramenta digital para avaliar a qualidade pedagógica de vídeos educativos. Designada como EVAT, sigla inglesa de Educational Videos Assessment Tool, esta ferramenta considera o papel mediador das famílias, profissionais de educação e de produtores de conteúdos audiovisuais.

Em três passos, os interessados podem saber se um determinado conteúdo é realmente educativo, como explicamos na atividade de avaliação disponível nos Recursos CriA.On (ver abaixo).

Como o cérebro aprende com vídeos – a história do EVAT

Esta ferramenta foi construída com base em estudos que demonstram que é fundamental conhecer como o cérebro das crianças opera, dado que as suas capacidades cognitivas ainda estão em desenvolvimento. Este conhecimento é muitas vezes ignorado pelas empresas por razões comerciais, porque o carimbo de “educativo” atrai positivamente a atenção dos adultos. E assim muitos conteúdos são classificados como “educativos” sem terem por detrás uma comprovada qualidade pedagógica.

Para um conteúdo ser educativo, importa ter presente duas dimensões: a cognitiva e a pedagógica.

A dimensão cognitiva envolve estratégias que facilitam o processamento da informação e diminuem o esforço cognitivo nesse processo, como o uso de cenários familiares, narrativas sequenciais, diálogos simples e personagens diversificadas, com quem a criança se possa relacionar. Estas estratégias ajudam a que a criança se possa concentrar no conteúdo (educativo, neste caso) sem ter de processar outros elementos.

A dimensão pedagógica considera estratégias que estimulam a aquisição dos conteúdos educativos. Por exemplo, técnicas de recrutamento da atenção, como estímulos sonoros ou musicais, ou o reforço da aprendizagem pela apresentação de estímulos complementares. São exemplos destas estratégias a interação das personagens do vídeo com a criança, ou a explicação e ilustração do novo vocabulário apresentado.

Assim, reunimos no EVAT um conjunto de estratégias cognitivas e pedagógicas recomendadas em diversos estudos e construímos os itens do questionário.

Validação da ferramenta EVAT em Portugal

Para validarmos esta ferramenta em Portugal, fizemos um estudo com 186 crianças em idade pré-escolar, meninos e meninas a viverem em diferentes contextos, urbanos e rurais, todas tendo o português como sua língua materna.

Os resultados das tarefas que estas crianças realizaram comprovam que as estratégias – cognitivas e pedagógicas – fazem a diferença para a aprendizagem através de vídeos. Contudo, nem todas têm o mesmo peso, sendo as estratégias cognitivas mais importantes do que as pedagógicas. Por exemplo, a proximidade com o ambiente, a clareza dos diálogos e a ligação às personagens são mais importante do que a ilustração do significado de novas palavras ou a interpelação direta. Por isso, os itens do questionário têm pontuações diferentes entre si.

Como os estudos internacionais já apontavam e esta pesquisa confirmou, dois fatores são fulcrais para garantir a adequação de vídeos educativos:

– A segurança, que se traduz na exposição a conteúdos não agressivos ou que afetem de algum modo a integridade física e psicológica da criança;

– A idade da criança: a capacidade de aprendizagem cresce com a idade, e a idade mínima para que esse processo de aprendizagem audiovisual ocorra é acima dos três anos.

Construindo playlists de vídeos educativos

Para garantir que as crianças tenham possibilidade de usufruir conteúdos de qualidade e que possam aprender com os vídeos que veem, sugerimos uma tarefa colaborativa, que pode ter no Jardim de Infância um espaço dinamizador.

1.   Vários pais podem juntar-se na avaliação de vídeos para crianças disponíveis em várias plataformas; se a ação for dinamizada no Jardim de Infância e envolver os pais das crianças por salas, será possível chegar a um número elevado de vídeos;

2.     Cada encarregado de educação escolhe dois ou três vídeos para analisar no EVAT e comunica o resultado ao grupo de pais da sala; isso permite chegar ainda uma tabela mais extensa de resultados, tornando possível a triagem dos vídeos que são educativos.

3.     Nessa listagem, pode também recolher e incorporar as reações das crianças, quais foram os vídeos que mais apreciaram mais, quais não suscitaram o seu interesse.

4. Com base nestas avaliações, pode ser organizada uma playlist com os vídeos que tiverem melhor classificação, e ser difundida junto de outros pais, por outros jardins de infância e por outras vias.

5. Esta playlist pode ser sistematicamente atualizada, de modo a ir incluindo vídeos mais recentes.

De igual modo, recomendamos às famílias que:

  1. Usem o EVAT para avaliar os vídeos cujos temas sejam do interesse das vossas crianças e criem as vossas playlists em casa. Há crianças com interesses muito específicos e, para além disso, pode ser útil ter playlists separadas por temas.
  2. Partilhem as vossas playlists com outras famílias e amigos, de modo a chegar ao maior número de pessoas possível.
  3. Sempre que possível, aproveitem para visionar e mediar os vídeos com as crianças. Vários estudos demonstram que quando os adultos conversam com a criança sobre o vídeo, aprofundando o seu conteúdo, a aprendizagem ocorre muito mais facilmente.
  4. Não se incomodem por as crianças repetirem os mesmos vídeos: quando gostam dos vídeos, as crianças não se cansam de os ver e a repetição é chave para a consolidação de conhecimentos.

Com estas atividades partilhadas, poderão contribuir para mediar as recomendações automáticas dos algoritmos das plataformas e garantir bons hábitos digitais desde a infância.

Sobre a Autora

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Gisela Canelhas

Doutorada em Media Digitais - NOVA FCSH. ICNOVA

Professora de educação musical doutorada em Media Digitais.
Principais interesses: conteúdos educativos digitais; criação audiovisual para crianças; tecnologia e aprendizagem; media digitais e desenvolvimento cognitivo.