Maria João Leote de Carvalho
16 de Maio, 2024
As crianças estão cada vez mais expostas a tecnologias que recolhem os seus dados, de forma direta ou indireta, podendo ser colocada em causa a sua segurança e privacidade. Conheça o que diz a lei sobre os direitos de que as crianças beneficiam na proteção dos seus dados pessoais.
Quando se fala de proteção de dados pessoais das gerações mais novas, não são exatamente os dados que necessitam de ser protegidos.
Quem precisa de proteção são as crianças a quem esses dados dizem respeito uma vez que os mesmos podem ser indevidamente recolhidos, analisados, alterados, organizados, conservados ou divulgados. Tudo isso sem que tenha sido prestado consentimento para isso.
E o impacto dessas ações pode perdurar para a vida inteira, com potenciais riscos e prejuízos no crescimento e bem-estar das crianças, bem como na qualidade de vida da sua família.
Quem pode exercer o direito de proteção dos dados das crianças?
Enquanto grupo geracional com necessidades específicas de desenvolvimento e de participação na vida social, às crianças é reconhecido um conjunto de direitos no acesso e envolvimento no mundo digital.
Esses direitos, explicados nesta publicação dirigida às crianças, procuram garantir o seu bem-estar e proteção abrangendo uma ampla diversidade de situações – desde a privacidade e segurança online ao acesso à informação e regulação dos dados pessoais.
Em 2021, entrou em vigor a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital a qual estabelece dois princípios orientadores sobre os direitos das crianças em ambientes digitais no nosso país:
- As crianças têm direito a proteção especial e aos cuidados necessários ao seu bem-estar e segurança no ciberespaço.
- As crianças podem exprimir livremente a sua opinião e têm a liberdade de receber e transmitir informações ou ideias, em função da sua idade e maturidade.
Na salvaguarda e articulação destes dois princípios fundamentais, enquadra-se a necessidade de proporcionar iniciativas às crianças (assim como aos seus familiares) que promovam o desenvolvimento das suas competências digitais.
O desenvolvimento dessas competências contribui para uma utilização mais segura e responsável do ciberespaço, para assegurar os direitos de proteção dos seus dados em todas as dimensões da sua vida digital.
Como os adultos, as crianças são titulares de dados de caráter pessoal.
No caso concreto do exercício dos direitos relativos a esses dados, compete aos pais, ou a outros representantes legais, assegurar a sua realização. Isso sem prejuízo de crianças os poderem exercer diretamente em determinadas situações, em função da idade e maturidade, conforme se apresenta neste texto.
Quais são os principais direitos de proteção de dados das crianças?
A proteção de dados pessoais, prevista no Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais (RGPD), reforçou direitos já consagrados e trouxe novos direitos que se estendem tanto a crianças como a adultos.
Entre os mais importantes que se aplicam no uso de tecnologias digitais, destacam-se:
- Direitos de informação e acesso: as crianças (por si mesmas ou através dos seus representantes legais, conforme indicado) têm o direito de aceder a informação sobre os seus dados, nomeadamente de saber:
- o que foi recolhido (quais as categorias de dados);
- como foram recolhidos esses dados, se diretamente junto da criança ou se junto de outra pessoa ou entidade que os possui;
- se esses dados foram tratados, por quem, e qual o prazo da sua conservação ou dos critérios definidos para a sua manutenção;
- quais os fins e a importância do tratamento dos dados, incluindo se os mesmos são sujeitos a decisões automatizadas, por exemplo, por dispositivos de inteligência artificial, se há definição de perfis e quais as consequências desse tratamento;
- se há a possibilidade de os dados serem comunicados a outras entidades, incluindo a transferência para entidades ou países fora do Espaço Económico Europeu e quais as garantias de proteção da criança associadas nesses casos.
- Direitos de retificação, limitação e apagamento: se, ao aceder à informação sobre os dados das crianças, se verificar que estão incorretos, incompletos ou desatualizados, pode solicitar-se a sua retificação. A este direito associa-se um novo direito que confere a possibilidade de limitar o seu tratamento, comunicação, transferência ou apagamento durante um certo período de tempo. Desde que não haja normas legais em contrário (por exemplo, por interesse público no domínio da saúde ou para exercício de um direito num processo judicial, entre outros), pode solicitar-se o apagamento dos dados das crianças nas seguintes circunstâncias:
- quando se retira o consentimento que legitimava a sua recolha e tratamento;
- quando os fins para que foram recolhidos já foram atingidos;
- quando se opõe ao seu tratamento para fins de marketing e/ou de definição de perfis, e não existam interesses legítimos que prevalecem por parte do responsável do seu tratamento;
- quando se deteta que há dados que estão a ser tratados de forma ilícita, isto é, que não estão a ser cumprida as normas em vigor;
- quando é determinada uma obrigação legal, por exemplo, no quadro de processos judiciais;
- quando a criança adquire capacidade para o consentimento e a sua opinião é divergente do consentimento que fora prestado pelos seus representantes legais.
Em conclusão
Sem o conhecimento adequado destes direitos, os adultos podem, de forma não intencional, contribuir para aumentar a vulnerabilidade das crianças a práticas abusivas e exposição a conteúdo inapropriado ou até a outras formas de discriminação e crime.
Em caso de necessidade, para garantir que os direitos de proteção dos dados das crianças estão a ser assegurados, pode contactar a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e expor diretamente a situação.
Além disso, esta entidade disponibiliza, na sua página, exemplos de textos para requerer às entidades responsáveis pelo tratamento o exercício destes e de outros direitos de proteção dos dados das crianças.
Conhecer os direitos de proteção de dados das crianças
é mais do que uma responsabilidade legal.
É um imperativo no empoderamento, educação e proteção das crianças
e na construção de comunidades mais inclusivas e seguras.
Referências
Silva, Jorge Pereira (2024). Direitos Fundamentais para o Universo Digital. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Nota
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do CEEC Individual – 10.54499/2021.00384.CEECIND/CP1657/CT0022.
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Sobre a Autora
Tem desenvolvido investigação participativa com crianças para entender como essas podem contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação de cariz sócio-técnico.
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