Politicamente (des)mobilizados? Perfis de participação cívica online

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Susana Batista e José Alberto Simões

Pedro, de 16 anos, é assíduo utilizador do Twitter e do Instagram. Para além de jogar com amigos e de ouvir música, procura informação sobre questões nacionais, participa em discussões políticas e no último ano assinou duas petições online sobre alterações climáticas. João, o seu irmão de 14 anos, usa várias redes sociais e costuma comentar e partilhar notícias locais. O que indicam estas práticas de participação?

Tendemos a assumir que os jovens estão ausentes ou alienados da participação política. Porém, casos como o do Pedro e do João mostram como os meios digitais podem constituir uma oportunidade para participar civicamente e dão espaço para diferentes formas de o fazer.

No topo da “escada de oportunidades” online

O último inquérito europeu EU Kids Online – que envolveu jovens de 19 países, entre os 9 e os 17 anos – confirma a importância das tecnologias e da internet: 80% usam telemóvel ou smartphone, 54% visitam redes sociais diariamente. As atividades de entretenimento e comunicação, realizadas pela maioria, contrastam com a procura de informação, que mobiliza diariamente apenas um quinto.

Esta tendência segue um padrão já identificado: os usos da internet diversificam-se e complexificam-se com a idade. Se é certo que vão subindo a “escada de oportunidadesonline, continuam a ser poucos os que realizam atividades mais criativas e participativas, os degraus de topo. Em Portugal, nesse inquérito, menos de 10 por cento criaram e partilharam online um vídeo ou música, discutiram questões políticas e sociais ou participaram em campanhas, protestos ou petições na internet.

Dimensões de participação digital

As práticas do Pedro e do João não seriam captadas se apenas considerássemos formas de participação formal e institucional, embora eles não sejam apáticos nem desinteressados. O Pedro usa o ambiente digital para dar voz às causas que mais lhe interessam e o João faz circular por diversos grupos WhatsApp as notícias que julga importantes. Aproximam-se de outros jovens para os quais o contexto online oferece maior flexibilidade e informalidade, adaptando-se ao seu modo de comunicar, de se relacionar com informação ou de expressar interesses específicos.

Esta realidade exige uma visão mais fluída e abrangente de política, aberta a esferas não institucionais, a formas de engajamento mais personalizadas e orientadas por interesses pessoais. Assim, para a análise de vários perfis de participação tivemos em conta os seguintes aspetos (Figura 1):

  • Participação cívica e debate online (adesão a campanhas, protestos, petições ou debates sobre problemas sociais ou políticos);
  • Procura de notícias online e a participação na cobertura noticiosa (escrita em blogues sobre notícias ou temas políticos ou participação em grupos que discutem assuntos noticiosos);
  • Autoperceção sobre competências de literacia digital e a utilidade de conselhos sobre cidadania digital (por exemplo, sobre oportunidades online ou saber distinguir entre notícias verdadeiras e falsas)
Figura 1. Dimensões consideradas para a análise dos perfis de participação cívica (adaptado de Choi, 2016)

Três perfis de participação cívica online

Os resultados do módulo sobre cidadania digital do questionário EU Kids Online, respondido por 1725 jovens de 13 a 17 anos na Alemanha, Estónia e Portugal permitiram identificar três perfis de participação online:

Civicamente desmobilizados e desinteressados (n=899, 52%)Participantes informados (n=503, 29%)Entusiastas noticiosos com apoio (n=323, 19%)
É o maior grupo. Quase um terço está neste grupo.Abrange cerca de um quinto.
A maioria tem menos de 15 anos.Maioritariamente 15-16 anos (40%)Maioritariamente 15-16 anos (40%)
Equilibrado em termos de géneroMais rapazes que raparigasMais rapazes que raparigas
Apenas metade acredita nas suas competências digitaisÉ o grupo com maior confiança em competências digitais (77%)Os que mais beneficiavam de aconselhamento (8 em 10 ou mais)
Uma minoria beneficiou de aconselhamento para uma participação online. O grupo que menos participa (10%)9 em 10 participam em discussões e procuram notícias; 6 em 10 participam em campanhas, protestos, petições; 16% participam em campanhas/ grupos de discussão sobre assuntos noticiososQuase 1 em 10 escreve sobre temas políticos e participa em campanhas e em grupos de discussão de assuntos noticiosos  

Que interesses mobilizam os jovens?

Os jovens participam cívica e politicamente online? A resposta depende do que se entende como político e da forma como se consideram os interesses dos jovens. Mais oportunidades de uso não se traduzem necessariamente em usos mais diversificados e que correspondam ao topo da escada de oportunidades.

Uma parte significativa apresenta-se desmobilizada politicamente, mas esta não é a história completa. A participação política e cívica e outras formas de participação – como o interesse por notícias – são referidas por quase outro tanto. As oportunidades de participação online podem surgir de modo imprevisto, pela partilha de interesses nas redes sociais entre os jovens que não se associam diretamente à participação política e cívica.

Quando o Pedro partilha o seu interesse pela greve climática na sua conta do Twitter está a participar civicamente. Porém, esta prática dilui-se entre outras, podendo passar despercebida. 


Referência

Batista, Susana; Simões, José Alberto (2022). Cidadania digital de jovens em três países europeus: perfis de (não) participação cívica online. Sociologia, Problemas e Práticas. 98, pp. 9-29. https://doi.org/10.7458/SPP20229820792

Sobre os Autores

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Susana Batista

Professora Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Além de investigar e intervir na educação e formação de professores, tem explorado as competências digitais de jovens, a mediação parental e a cidadania digital.

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José Alberto Simões

Professor Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Tem investigado sobre culturas juvenis e meios digitais, ativismo e movimentos sociais. Coordenou o projeto Ativismo Juvenil em Rede (2014-15) e foi coinvestigador do projeto ArtCitizenship (2018-22).