Sofia Macedo
14 de Novembro, 2025
O scroll infinito, na era dos dispositivos móveis e das redes sociais, tornou-se quase automático entre adolescentes e não só. Deslizar conteúdos no Instagram, no TikTok ou noutras redes sociais tornou-se um gesto repetitivo que acompanha conversas e refeições. À partida, parece ser “só” um gesto e até inofensivo. Porém, o problema é mais grave. Por isso, quando o assunto é educar no digital, importa falar mais sobre isto.
Porque são os adolescentes os mais vulneráveis
O scroll infinito revela-se como parte de um circuito neuropsicológico de recompensa. Quando se fala de crianças e adolescentes, cujos cérebros estão ainda em maturação, pode estar associado a sérios riscos de dependência digital.
Para começar, a substância-chave que alimenta este mecanismo é a dopamina. Trata-se de um neurotransmissor que atua no sistema de recompensa do cérebro e que é libertado sempre que algo é percebido como prazeroso ou antecipadamente gratificante. Um estudo da UC Berkeley mostrou que “a informação atua no sistema de recompensa produtor de dopamina do cérebro da mesma forma que a comida ou o dinheiro”.
Por isso, quando um adolescente recebe likes, notificações ou mensagens, o cérebro interpreta-os como recompensas sociais imediatas. E convém não esquecer que se trata, precisamente, de um período em que o cérebro está altamente sintonizado e ávido de recompensas sociais.
Assim sendo, por mais desenvolvido e maduro que seja o seu adolescente, considerando a sua idade e etapa de desenvolvimento, também ele é mais vulnerável à necessidade de aprovação, pertença ou visibilidade.
Alguns estudos vão mais longe, demonstrando como as redes sociais podem ser viciantes por provocarem a libertação de grandes quantidades de dopamina no trajeto de recompensa do cérebro, não sendo muito diferentes de substâncias como a heroína, as metanfetaminas ou o álcool.
Como referi, durante a adolescência a maturação cerebral não está concluída. Áreas como o córtex pré-frontal (envolvido no controlo dos impulsos, raciocínio e decisões) ainda se encontram em desenvolvimento, enquanto o sistema de recompensa (estriado, núcleo accumbens) está em plena atividade.
Neste cenário, a combinação de elevada ativação de recompensa e imaturidade (ou maturação em desenvolvimento, para sermos mais justos) revela-se explosiva, tornando os adolescentes mais vulneráveis à exposição e ao uso das redes sociais.
É importante que os pais percebam que, por mais que um adolescente queira, ele pode, de facto, não conseguir parar.
O impacto do design aditivo das apps
Além disso, fica ainda mais difícil parar quando as próprias redes sociais e aplicações estão desenhadas para captar e, sobretudo, manter a atenção. Eis algumas das suas principais armas:
- Imprevisibilidade das recompensas: “Será que alguém vai responder?”, “Consegui novos likes?”, etc;
- Notificações constantes;
- Conteúdos que estão online durante pouco tempo (como as stories ou imagens do Snapchat, por exemplo);
- Repetição de mensagens que vão ao encontro da nossa maneira de ser, reforçando opinião e até o sentido de comunidade;
- Vídeos que se iniciam automaticamente.
Tudo isto ativa repetidamente o circuito da recompensa, condicionando o cérebro à verificação frequente da interface.
O impacto e sinais de dependência digital
Neste cenário, é importante entender que as consequências deste ciclo não são meramente comportamentais. Uma revisão publicada no PubMed revelou que jovens com um uso problemático de dispositivos apresentam um volume reduzido no núcleo caudado e alterações na estrutura da matéria cinzenta e branca cerebral.
Também se tem observado que a libertação contínua de dopamina pode levar à disfunção dos circuitos de recompensa. Na prática, isso significa que o utilizador acaba por ir precisando de uma estimulação cada vez maior para “sentir” o mesmo efeito.
Por tudo isto, é tão importante educar e estar atento. Aqui ficam alguns dos principais sinais de risco:
- Dificuldade em dormir;
- Alterações de humor;
- Baixa no rendimento escolar;
- Dificuldade em estar sem o telemóvel ou desligado;
- Deixar de fazer atividades no “mundo real”, passando a maior parte do tempo conectado;
- Isolamento.
Nunca é tarde para começar a agir
Pais e educadores precisam de perceber que nunca é tarde para agir. E se o diálogo é essencial, igualmente importante é não proibir – ainda mais nestas idades, em que desobedecer é quase uma regra. Tal pode ter consequências sérias no futuro, levando a que se fechem mais portas que, na hora de ajudar e apoiar, podem ser difíceis de abrir.
Posto isto, a par de uma intervenção precoce – afinal, quanto mais cedo forem identificados padrões de uso compulsivo, maior a hipótese de atuar preventivamente – aqui ficam três estratégias que podem ser úteis:
- Consciencialização sobre o design das plataformas: diversos recursos educativos digitais podem ser bons pontos de partida para informar, levar a um debate e, assim, estimular o pensamento crítico;
- Técnicas de mediação tecnológica, como o incentivo a pausas de ecrã e a promoção de outras atividades (prática de desporto, tocar um instrumento musical, etc.) para que os adolescentes encontrem outras formas de recompensa e não dependam do feedback digital;
- Políticas escolares e familiares com regras definidas. um ambiente de regulação (e de autorregulação) dever ser incorporado desde cedo…
Importa perceber que o scroll infinito entre adolescentes não é apenas uma questão de hábito ou entretenimento: trata-se de um mecanismo que ativa profundamente o sistema de recompensa do cérebro em desenvolvimento, explorando as vulnerabilidades neurobiológicas próprias da adolescência.
A libertação de dopamina, a ativação do núcleo accumbens e a maturação incompleta dos mecanismos de autocontrolo potenciam o cenário para uma possível dependência digital.
Reconhecer este fenómeno no cruzamento entre neurociência e antropologia digital é crucial para desenhar respostas que protejam o bem-estar das gerações mais jovens.
Publicações Relacionadas
Adolescentes e bem-estar digital
Em busca do bem-estar digital
Contente, SaferNet Brasil e Vita Alere
Desafios, em português do Brasil, para refletir e melhorar o bem-estar digital. A minha internet; consumo e conteúdo; comparação; criação; tempo são alguns dos temas propostos. Cada desafio retrata hábitos digitais que podem ser promovidos ou abandonados.
Atividade
Riscos online: 10 tópicos para pensar sobre o problema
Sobre a Autora
Sofia Macedo
Especialista em Marketing e Comunicação
Estratega digital, com 15 anos de experiência, na área do marketing digital.
Ver Publicações →