“Sem Instagram não havia Associação”: O papel das redes sociais das AEs

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Tatiana Matos

Nos corredores das escolas, as Associações de Estudantes (AEs) emergem como espaços de expressão coletiva e participação cívica. E os meios digitais adaptam-se bem ao modo como os jovens comunicam entre si e se relacionam com informação. Comentários, memes, partilha de stories ou um simples like são exemplos de ações em contexto online.

A participação política e cívica juvenil tem sido subestimada e o discurso em torno da cidadania permanece associado ao seu exercício de voto. Ainda assim, os jovens desafiam essas perceções ao participarem de formas alternativas, potenciadas e mediadas pelo digital.

Participação juvenil no espaço escolar

A participação juvenil envolve vários tipos de ações, em torno de causas concretas, como as alterações climáticas, em detrimento de instituições formais. Ocupações de espaços escolares, manifestações e assinatura de petições são ações informais que os jovens têm adotado para se expressarem, destacando-se o papel da internet nesse processo.

As AEs enfrentam desafios inerentes à coexistência com a estrutura hierárquica das escolas. Operam numa dinâmica de tensões entre regras formais e a natureza mais fluída e inventiva das práticas juvenis.

Indo além da visão alarmista do declínio da participação juvenil, na minha dissertação de mestrado falei com cinco jovens com histórico de participação a fim de mapear a forma como exercem a sua participação e como avaliam os contributos da escola. Os seus testemunhos estão em linha com conclusões de estudos sobre participação, como o projeto bYou.

A importância das redes sociais

Para estes jovens associativos, as redes sociais desempenham um papel fundamental na criação de espaços de participação acessíveis e dinâmicos, e têm sido uma ferramenta eficaz de divulgação, ampliando o alcance das iniciativas e mobilizando a comunidade escolar.

Enquanto membros ativos da escola, revelam como as oportunidades proporcionadas pelas redes sociais podem manifestar-se de forma concreta em iniciativas como recolhas solidárias. Estabeleceram parcerias com instituições concelhias e outras AEs, para dinamizar dias abertos, sessões de esclarecimento, feiras de voluntariado e reuniões com juventudes partidárias.

Ao mesmo tempo, procuram proporcionar debates sobre temas da atualidade, como o direito ao aborto. Nesse sentido, o meio digital detém um papel importantíssimo na forma como vivem (e podem viver) a sua cidadania em contexto escolar através do conjunto de micro decisões que vão tomando. No Instagram, as AEs divulgam não só iniciativas, mas também informações políticas e cívicas fora do contexto escolar. Como o post abaixo, que convocou alunos para assistir à palestra de educação política em vésperas de ato eleitoral.

Tensões com a Escola: por uma cultura escolar mais horizontal

Para os jovens que entrevistei, a baixa participação juvenil não depende apenas de falta de interesse; apontam também o distanciamento das Direções Escolares, que perpetuam hierarquias e não valorizam as suas vozes.

Aos jovens é-lhes recusado estatuto político porque o fator idade continua a ser o principal inibidor de acesso ao exercício da cidadania e a participação fica condicionada por dinâmicas de poder, que estes jovens procuram contrariar:

“Candidatei-me ao Conselho Geral porque sentia esse desnível [entre adultos e jovens]. É preciso estar lá convictamente, falar sem medo, porque se sentirem que estás a gaguejar… faziam-me sentir inferior, tinha 17 anos, eles 50, faziam-me sentir insegura da minha opinião.”

Luana, 17 anos, Presidenta de Associação de Estudantes

Apesar de reconhecerem um crescente esforço de valorização da participação no digital, que depende do interesse e da motivação dos professores, os jovens consideram que as iniciativas têm sido insuficientes e que não vão ao encontro das temáticas que desejam.

A uma crescente valorização do jovem “bom cidadão” em torno da ética e de responsabilidade da cidadania, através de temas como os direitos humanos, juntam-se recomendações em torno da segurança online, mais baseadas nos riscos do que nas oportunidades. Ou seja, a participação juvenil e o direito às oportunidades do digital têm sido dimensões menos valorizada por parte de escolas e governos. A participação cívica online, sendo um direito, deve ser incentivada e estimulada como parte integrante da cidadania de um jovem.

Os jovens ouvidos consideram fulcral serem chamados a decidir. Sem esse poder, é impossível que a participação cívica desperte interesse. Consideram essencial o acesso a mais informação sobre segurança online, participação ativa online e sobre como os jovens se devem expressar na internet. Apontam a necessidade de atualizar formas de comunicação das Direções Escolares, e defendem uma escola mais horizontal, onde os alunos possam intervir em temáticas que lhes dizem respeito.

Culturas digitais distintas

Os alunos percebem a ligação entre escola e internet de forma mais fluída e aberta do que a clássica visão da instituição escolar. Essa disparidade reflete contrastes entre as culturas digitais juvenis e as dos professores. Enquanto os alunos integram naturalmente as tecnologias digitais nas suas práticas quotidianas, os professores tendem a adotar uma abordagem mais negativa, concebendo o ciberespaço como potencialmente perigoso, capaz de comprometer o bem-estar e a aprendizagem. Nesse cenário, as AEs emergem como espaços cruciais para mitigar essas discrepâncias, ao oferecer oportunidades de escapar à rigidez das Direções Escolares.

“Não há muita comunicação da escola com os alunos. Quem comunica com os alunos é a Associação de Estudantes. Eles fizeram publicações a explicar o que era o sistema político, falaram sobre fake news…”

Frederico, 17 anos, Membro de Juventude Partidária

Se as AEs oferecem espaços de participação e representação, ainda há desafios a serem superados, em especial no que diz respeito à valorização institucional e à sua integração nas decisões escolares. Para a escola cumprir o seu papel de formar cidadãos ativos, é essencial que reconheça as novas formas de participação juvenil e abra espaço para que os estudantes sejam parte ativa em decisões que os afetam.

Afinal, não basta falar em educação para a cidadania se os principais interessados não forem ouvidos.

Referências

Matos, T. (2024). Dar voz aos jovens: A (in)diferença da escola na participação cívica e política online (Dissertação de mestrado). Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. https://run.unl.pt/handle/10362/169935

Sobre a Autora

Tatiana Matos

Gestora de Redes Sociais - ICNOVA

Mestre em Estudos de Educação pela NOVA FCSH, tem vindo a trabalhar com jovens sobre participação cívica e política online e competências digitais. Colabora também no projeto ySKILLS.