Cristina Ponte
24 de Junho, 2022
Quer saber o que se sabe e não sabe sobre as competências digitais de adolescentes, que lhes permitam tirar partido das oportunidades e saber lidar com os seus riscos? Esta revisão sistemática de estudos empíricos conta também como a investigação sobre os mais novos contribuiu para a própria definição de competências digitais, das Nações Unidas.
A atenção a competências digitais é recente
Até 2010 a pesquisa sobre competências digitais na adolescência era escassa. Foi quando irromperam as redes sociais e quando se popularizaram os telemóveis inteligentes e milhares de aplicações à mão que a pesquisa empírica sobre ‘competência digital’ disparou.
Mas não foram só mudanças tecnológicas. Em 2010, o primeiro estudo da rede EU Kids Online, que envolveu 25 países europeus, mostrou que políticas públicas focadas exclusivamente em evitar riscos não valorizavam as oportunidades de aprendizagem, de socialização, de criatividade ou de participação cívica que a internet também trazia. Mostrou também que os riscos estão ligados também a oportunidades, não têm necessariamente de conduzir a danos e que importa ser capaz de lidar com situações de risco.
A combinação entre a proteção e a capacitação levou a estudos que procuraram conhecer como se desenvolvem as competências digitais de crianças e adolescentes e que impactos têm para o seu bem-estar.
As mudanças nas políticas europeias e internacionais dos últimos anos refletem esta alteração. Assim, em 2018, o organismo das Nações Unidas para as Telecomunicações (UIT) definiu competência digital como:
- Saber usar as tecnologias de informação e comunicação de modos que ajudem a alcançar resultados benéficos e de elevada qualidade no dia a dia, para si e para os outros.
- Saber reduzir o potencial dano associado aos aspetos mais negativos do envolvimento digital.
Desde então, a UIT tem produzido um conjunto de ferramentas para promover competências digitais junto de crianças e jovens.
O que dizem os estudos
A análise sistemática de estudos empíricos sobre competências digitais em idades entre 12-17 anos, publicados em inglês em revistas científicas de reconhecida qualidade levou a uma seleção de 110 trabalhos, de 64 países. A maioria provém dos Estados Unidos, seguindo-se Inglaterra e países europeus. São residuais estudos com origem na Índia, China, Brasil e outros países latino-americanos, africanos e asiáticos.
Há, assim, uma lacuna no conhecimento sobre fatores que marcam competências digitais de adolescentes em contextos do Sul Global, – isto quando se estima que um em cada três utilizadores da internet em todo o mundo tenha menos de 18 anos.
A maioria dos estudos usou questionários, cujas respostas são as perceções dos inquiridos sobre o seu desempenho digital. Quase um terço realizou algum tipo de tarefa digital a realizar, o que permite analisar o processo da sua realização.
Encontraram-se muito mais estudos sobre fatores que contribuíam para competências (antecedentes) do que sobre as consequências de competências para o bem-estar, a resiliência ou o tirar partido das oportunidades.
Antecedentes | Consequências |
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Competências digitais aumentam com a idade. | Poucos estudos estudam se e como as competências digitais melhoram o bem-estar. |
Género: Os rapazes reivindicam mais competências digitais, mas nos testes de desempenho não se verificaram diferenças, o que contraria a crença de que as raparigas são menos dotadas para as tecnologias. | Poucos estudos exploram a possível relação entre competências digitais e participação cívica (offline e online). Contudo, todos o que o fizeram encontram uma relação positiva. |
O desempenho escolar elevado está ligado a elevadas competências digitais mas a motivação e o próprio estilo de estudar também contam | Ter mais competências favorece maior proteção da privacidade online. |
Contexto social: a relação direta entre o nível socio-económico e competências digitais foi confirmada em apenas metade dos estudos que incidiram sobre essa relação. | Mais competências digitais de ordem técnica estão associadas a mais riscos. Contudo, competências digitais críticas (por exemplo, saber antecipar consequências de atos) não estão ligadas a mais riscos. |
Mediação parental: Há relação direta entre uma mediação restritiva por parte da família e menores competências digitais. Uma mediação parental que favoreça a capacitação aparece mais ligada a melhores competências digitais, mas nem sempre essa relação foi evidente. | Competências digitais elevadas não estão ligadas a mais dano e podem mesmo reduzi-lo -> adolescentes com competências digitais elevadas sabem melhor lidar com riscos digitais. |
Escola: Quando as TIC estão mais acessíveis na escola, as competências digitais tendem a ser melhores. |
Esta revisão de estudos evidencia a complexidade do que são competências digitais e também as lacunas nesse conhecimento, nomeadamente quanto às consequências de se ser digitalmente competente.
Contribuir para responder a esses desafios é o objetivo do projeto europeu ySKILLS (2020-2023). Os primeiros resultados do inquérito longitudinal (2021-2023) feito em seis países entre os quais Portugal dão já pistas nesse sentido: ser competente é mais do que considerar-se competente.
Sobre a Autora
Tem investigado a relação de crianças e jovens com os media na perspetiva dos seus direitos e contextos familiares em projetos nacionais e europeus.
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