Patrícia Dias, Leonor Martinho e Ana Jorge
22 de Março, 2023
“Ao início, eu sentia-me em baixo, deprimido, triste, e ficava facilmente cansado. Depois, à medida que o tempo ia passando, os meus níveis de energia melhoraram e a minha vida ficou menos stressante. Senti-me menos ansioso e deixei de me comparar com os outros. Agora consigo focar-me em mim próprio, parei de me preocupar com o facto de estar a desperdiçar o meu tempo online e comecei a ser capaz de decidir o que quero fazer com o meu tempo. Sinto-me bem por ser capaz de me controlar.”
Tintim, 17 anos
Este testemunho de um jovem (sob pseudónimo escolhido por si) que decidiu reduzir o tempo que passava online representa uma tendência ainda minoritária, mas em crescimento. Uma tendência impulsionada pelo cansaço digital que os jovens viveram nos períodos de confinamento obrigatório devido à pandemia Covid-19 e, sobretudo, pelo ensino remoto de emergência.
Conduzido no âmbito do projeto Dis/Connect (2021-22), este estudo explorou a desconexão digital entre jovens portugueses, para compreender as motivações que os levam a quererem alterar as suas práticas digitais, como o fazem, e que benefícios e problemas decorrem desse processo.
O que leva jovens a decidirem passar menos tempo online?
Os 20 jovens entrevistados na primavera e verão de 2021 apresentaram várias motivações para decidirem alterar as suas práticas digitais. Todas têm em comum um momento de tomada de consciência de que essas práticas lhes estão a ser prejudiciais. A perceção do tempo passado online como um tempo que poderia estar a ser usado de forma mais benéfica ou satisfatória, é transversal nos relatos.
“Eu percebi que estava a desperdiçar o meu tempo.”
António, 18 anos
A noção de que as atividades online são viciantes também está presente na maioria dos testemunhos.
“O algoritmo do Instagram é tão bem desenhado que me mostrava exatamente o que eu queria ver, então eu ficava longos períodos online sem sequer perceber quanto tempo tinha passado.”
Sofia, 16 anos
Para alguns, um desempenho escolar insatisfatório foi a principal motivação. Além de considerarem que passavam demasiado tempo online em atividades lúdicas, revelavam dificuldades de concentração e foco nos estudos, pois os estímulos que lhes chegavam do mundo digital estavam constantemente a distraí-los.
“Antes, eu tinha ‘brain fog’. Não me conseguia concentrar em nada. Estava ali, nas redes sociais, e os meus pensamentos controlavam-me. Agora consigo focar-me nas aulas, sem problemas.”
David, 18 anos
Quase todos sentiam ansiedade, e associavam-na aos media sociais, a não serem capazes de acompanhar todas as novidades do seu círculo de amigos ou dos influenciadores e marcas que seguiam, e também a sentirem-se excluídos.
“Às vezes estava em casa, e os meus amigos publicavam uma Instastory de um deles a cair de bicicleta, ou de uma luta num bar, e estavam a rir, pareciam estar tão divertidos. Sentia-me mal por estar a perder esses momentos. Convidavam-me para ir ter com eles, e isso fazia-me sentir pressionado para estar online, porque se não estivesse podia perder esses convites.”
Tintim, 17 anos
Alguns reconhecem que os media sociais os levavam a comparar as suas vidas com as das pessoas que seguiam. Mesmo tendo consciência de que as fotografias e vídeos são planeados, posados e filtrados de modo a parecerem o melhor possível, sentiam-se insatisfeitos com a sua própria popularidade, corpo ou rotina quotidiana.
“Mentalmente, estar no Instagram era tortura porque eu estava sempre a comparar-me com os outros. Se alguns dos meus amigos saíam e se divertiam, eu sentia-me mal porque não me estava a divertir, ou sentia-me triste porque não tinha sido convidada. Via influenciadores a viverem vidas de sonho, e eu estava simplesmente na escola. Ficava a sentir-me miserável o dia todo.”
Matilde, 16 anos
Outros revelam-se desapontados com a falsidade que identificam no mundo online, desde as notícias falsas até às vidas perfeitamente construídas dos influenciadores, ou não querem estar expostos a comentários negativos e a discursos de ódio.
É fácil desligar? Como o fazem?
Não é nada fácil desligar. Para além de os jovens terem que controlar os seus próprios desejos e impulsos, têm ainda que lidar com a pressão dos seus pares, que não compreendem a sua decisão e que os incitam a estarem disponíveis no mundo digital.
“Os meus amigos da escola diziam ‘Enviei-te uma mensagem no Instagram e não respondeste? Porque é que não respondeste?’ e eu tentava explicar o que queria fazer, e as dificuldades que estava a passar para conseguir desligar. A maior parte deles não compreendia.”
Rogério, 18 anos
A partir dos testemunhos, foi possível identificar três estratégias para alterar práticas digitais.
- Desconexão radical: alguns jovens abandonaram totalmente atividades (como jogos online) ou plataformas específicas (como redes sociais). Esta estratégia tem como principal desvantagem o aborrecimento que resulta da ausência de uma atividade que lhes tomava muito tempo, e nem todos permanecem firmes nestas decisões. A melhor forma de resistirem à tentação de voltar às atividades online habituais é substituírem-nas por outras, também prazerosas, mas mais benéficas do ponto de vista da saúde física e mental.
- Desconexão progressiva: os jovens vão estando menos tempo em certas atividades online até conseguirem reduzir esse tempo de modo significativo ou mesmo total. Este caminho não é linear, e alguns sentem-se frustrados ou culpados quando não conseguem cumprir os objetivos que estabeleceram para si próprios.
- Autorregulação: a partir de perceções pessoais sobre quanto tempo será razoável passar online, e quais as atividades prejudiciais ou benéficas. Estes jovens não seguem regras tão rígidas – antes tentam equilibrar o tempo dedicado às atividades online com a sua rotina diária e com a forma como se sentem.
A desconexão digital é benéfica?
Em geral, os jovens entrevistados dizem que, no início, desligar dos meios digitais é muito difícil, mas que sentem melhorias quando conseguem manter a sua decisão durante um período.
Inicialmente, sentem-se ansiosos, sentem que não sabem o que fazer com o tempo que passaram a ter livre. Esse aborrecimento ainda os impele mais a quererem estar online.
“Antes, quando me sentia aborrecido, voltava-me imediatamente para o meu smartphone e ia fazer ‘scroll’ nos ‘social media’. Em resposta ao aborrecimento, o meu cérebro procurava logo uma ‘rush’ de dopamina, eu clicava, e obtinha-a automaticamente. Tive de aprender a lidar com o aborrecimento.”
Rogério, 18 anos
Outra dificuldade é afastarem-se de amigos, perderem convites e atividades. No entanto, quando conseguem manter as novas rotinas desconectadas, os jovens passam a preencher o seu tempo livre com atividades que consideram mais benéficas, desde o estudo a hobbies, passando pela convivência face a face com amigos.
“Eu perdi o contacto com muita gente, mas percebi que isso só aconteceu com as pessoas que não eram importantes na minha vida. Ocasionalmente, fazia ‘gosto’ nas stories delas. Isso importa? Se a pessoa for importante para mim, agora telefono-lhe. E se eu for importante para alguém, essa pessoa vai fazer o esforço de me telefonar. Agora combino encontrar-me com os meus amigos, e as nossas conversas são mais profundas, é quase mágico. Percebi quem são os meus amigos verdadeiros, e isso fez uma diferença incrível na minha vida.”
António, 18 anos
Estes jovens enfatizam que a desconexão digital está a corresponder a um processo de desenvolvimento pessoal e de amadurecimento.
“Eu via as outras raparigas no Instagram, e pensava ‘quem me dera ser tão bonita como elas’, e sentia-me infeliz com a minha aparência. Agora percebo que me estava a focar só nos aspetos positivos dos outros, e nos aspetos negativos de mim mesma. Agora tento divertir-me offline, e sinto-me mais feliz.”
Filipa, 17 anos
Sentem-se orgulhosos e realizados por terem sido capazes de implementar mudanças nas suas vidas, por terem pensado pelas suas próprias cabeças em vez de fazerem o que a maioria faz, e tentam até ser exemplo para outros jovens.
“Sinto-me orgulhosa, sinto que estou a cumprir aquilo com que me comprometi, que uso menos os meios digitais. Não usar tanto o meu smartphone ajuda-me a aproveitar melhor o meu tempo e sinto-me melhor comigo mesma.”
Madalena, 18 anos
Apesar de estarem a progredir nesta jornada de desconexão, mostram-se receosos relativamente ao futuro, e sobretudo quanto à entrada no mundo do trabalho pois têm consciência de que enfrentarão uma grande pressão para estarem conectados. Ainda assim, sentem que esta experiência os está a dotar de capacidade crítica e de resiliência que ajudará a lidar com esses desafios futuros.
Que implicações e estratégias?
A partir destas experiências, sistematizamos pistas para jovens que tenham vontade de mudar as suas práticas digitais, e que poderão ser implementadas com a facilitação de pais, educadores ou outros agentes:
- Identificar que atividades tomam mais tempo online, ou que causam algum tipo de mal-estar;
- Identificar aspetos negativos a mudar e procurar compreender as razões por detrás deles, para se fazerem mudanças efetivas;
- Definir limites de uso diário para aparelhos e/ou plataformas digitais, usando mesmo apps para ajudar a controlar o tempo;
- Controlar a relação com o dispositivo: deixá-lo num espaço distante, virar o ecrã para baixo, reduzir sons e vibrações (colocar em modo silêncio, voo ou “não perturbar”), não recarregar a bateria constantemente;
- Controlar a interação com conteúdos: desligar notificações e avisos, desinstalar e abandonar aplicações;
- Controlar a relação com outros: abandonar alguns grupos, canais ou deixar de seguir pessoas/marcas, bloquear pessoas se necessário;
- Avisar as pessoas mais próximas/importantes das novas práticas adotadas, para diminuir a pressão social para estar conectado e disponível;
- Testar que estratégia funciona melhor para si: se é difícil cumprir metas autoimpostas, a solução pode passar por uma desconexão mais radical;
- Procurar apoio, de pares ou de adultos (pais, professores, e, se necessário, ajuda especializada de psicólogos).
Sobre as Autoras
Patrícia Dias
Professora Auxiliar - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa
Investiga sobre a comunicação digital e o seu impacto na vida quotidiana.
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Mestre em Ciências da Comunicação - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa
Tem investigado a relação de crianças e jovens com a cultura mediática popular.
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