Como se pode falar nas aulas sobre influenciadores digitais?

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Ioli Campos

O João passa cerca de três horas por dia na net, quase sempre a ver videos do YouTube. Na escola ninguém lhe ensinou nada sobre o YouTube, nem sobre como funciona o algoritmo e as recomendações que o fazem saltar de um video para outro até a mãe gritar: “está na hora de jantar”. Será que os professores deviam começar a falar sobre influenciadores nas aulas? E como o poderiam fazer?

Com tanto tempo que o João dedica aos seus influenciadores preferidos, é de supor que essas pessoas acabem por ter uma verdadeira influência na sua vida. Mas será que o João está capacitado para perceber o que anda a ver e o impacto que isso tem na sua concepção do mundo? Qual é o papel da escola na capacitação do João para esta realidade, que é a realidade de tantas crianças e jovens? De que forma os conteúdos produzidos pelos influenciadores podem ser usados na sala de aula?

Estas foram algumas das questões que o projecto europeu Influencers Trust Label tentou explorar, através de workshops com professores e jovens, entre outras acções.

Diz-se que o João é um nativo digital e que os professores são imigrantes digitais. O João personifica o perfil do jovem português entre os 9 e os 17 anos, traçado pelo mais recente estudo EU Kids Online. Os professores do João serão sobretudo mulheres com mais de 50 anos, de acordo com a Direcção-Geral de Educação. A distância entre ambos é grande. Um está no TikTok, os outros no Facebook. Um vê YouTube, os outros vêem televisão.

Conteúdos de influenciadores podem aproximar professores e alunos

Embora o marketing de influência ocupe uma grande parte da vida dos jovens, o currículo ainda não prevê conteúdos programáticos nessa área. E a maioria dos professores não está capacitada para introduzir conteúdos sobre influenciadores nas suas aulas. Mas os workshops realizados com professores mostraram que a inclusão de conteúdos sobre influenciadores pode ajudar a estabelecer pontes com os alunos. E essas pontes podem ajudar a captar a atenção dos jovens para conteúdos que não os costumam cativar tanto, como a gramática ou a matemática, por exemplo.

Tanto bons exemplos como maus exemplos podem ser usados no ensino-aprendizagem devidamente contextualizados, concluiram os professores no final do workshop. E há exemplos para todas as discilpinas: da educação cívica à matemática e ao ensino da língua. O que a maioria dos professores participantes no projeto concluiu é que esses casos devem ser incluídos de forma aberta e não confrontacional.

Até maus exemplos podem dar bons estudo de caso

Uma professora de Português, por exemplo, dizia que até pode usar videos do Wuant, um dos influenciadores portugueses com mais seguidores, mas gerador de alguma controvérsia. O facto de o Wuant usar gíria e muitos estrangeirismos pode servir para explicar os diferentes registos da língua portuguesa. Ou seja, em vez de usar videos do Wuant para criticar como não se deve falar português, essa professora referia como podia usá-los para uma reflexão sobre as diferentes formas de falar português e a necessidade de adaptar a língua ao contexto.

Por outro lado, bons exemplos podem ser usados nas aulas de forma inspiracional, como é o caso das histórias da Malala Yousafzai e da Greta Thunberg, que já são usadas por muitos docentes nas aulas de educação cívica.

Estas conclusões fazem parte de um artigo em fase de elaboração, realizado no âmbito do projecto Influencers Trust Label, coordenado a nível nacional pela Universidade Nova de Lisboa e a nível internacional pelo ICMedia. O projecto contou com financiamento da Comissão Europeia, através da bolsa Media Literacy.

Sobre a Autora

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Ioli Campos

Professora Auxiliar - Univ. Católica

Consultora na área dos media digitais, jornalismo e direitos humanos para organizações internacionais, como NSC Conselho da Europa, OSCE e União Europeia.

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