O uso da tecnologia digital aproxima gerações da família?

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Celiana Azevedo

O meu neto diz que o meu telefone está carregado. Ele vem ali, mexe, mexe, limpa tudo, mas não me ensina. Não tem paciência para parar e me ensinar. Tudo que ele aprendeu quando era pequeno fui eu que ensinei e ensinei mil vezes” (Adelaide, 65 anos, Portugal).

“Às vezes, eu não sei mexer no telemóvel e o meu neto briga comigo e eu digo para ele me ajudar. Ele ensina, aí eu não aprendo e ele diz que eu tenho de aprender. Ele não tem paciência. Moramos só nós dois, fui eu quem o criou desde os três meses” (Eugénia, 61 anos, Brasil).

Os testemunhos de Adelaide e de Eugénia, duas avós de dois países distantes, ilustram as dificuldades que muitas pessoas mais velhas têm em aprender como usar dispositivos tecnológicos e como, nas famílias, as relações entre gerações no que se refere ao uso de meios digitais podem ser um desafio.

Solidariedade entre gerações?

O conceito de solidariedade entre gerações tem vindo a ser promovido nas políticas europeias para contrariar o fosso entre gerações a todos os níveis. Está na vanguarda das trocas de apoio e tornou-se uma medida padrão de coesão social entre gerações. A solidariedade entre gerações é considerada um elemento importante das relações familiares, em particular no que diz respeito ao sucesso para enfrentar os desafios trazidos pela idade avançada e pela integração social da velhice.

Outro importante aspeto está ligado ao papel que os mais velhos assumem na atenção que prestam aos mais novos na família, principalmente como cuidadores e educadores, como nos casos de Eugénia e Adelaide. A solidariedade que avós sentem por parte dos netos contribui para que se sintam mais integrados num tempo em mudança, onde telefones e televisores já não são como eram. Aprender com os mais novos é também reconhecer neles o seu papel como cuidadores e educadores.

O que dizem os estudos?

De um modo geral, os estudos apontam que os meios tecnológicos podem influenciar positivamente as pessoas mais velhas da família. Isto porque o uso das TIC incentiva o contacto social dentro e fora da família, nomeadamente com os seus filhos e netos, tem impactos positivos na sua saúde mental e pode melhorar as suas competências digitais.

Em muitas famílias, filhos e netos ajudam pais e avós a usarem telemóveis, computadores e a internet. Isto faz com que a geração mais jovem ganhe um novo estatuto na família, são os especialistas, é a chamada “socialização inversa”. Uma relação próxima com os netos fazendo uso de tecnologias faz também com que os idosos se sintam mais incluídos na família e melhorem a sua auto-estima. Essa proximidade entre avós e netos pode também ser benéfica para a intervenção dos avós na gestão dos tempos de ecrãs de crianças mais pequenas, como aponta este estudo.

Mas a investigação também assinala que a presença de tecnologias digitais nas famílias não vem livre de possíveis consequências negativas para os mais velhos. Uma transmissão unilateral, dos mais jovens para os mais idosos, muitas vezes por uma pressão moral, não favorece a aproximação geracional e troca de conhecimento. Estas e outras dificuldades são apontadas nos resultados de outros estudos realizados em vários países.

Nas famílias, o uso de tecnologias digitais para comunicar também pode resultar em proximidade virtual com contacto regular, mas superficialidade e afastamento físico entre os vários membros. Quando estão juntos, a atenção contínua aos ecrãs pelos mais jovens nos pode fazer com que os idosos se sintam ignorados e emocionalmente excluídos.

Por isso, para a pergunta do nosso título, a resposta não é assim tão simples. Também na pesquisa realizada em Portugal e no Brasil junto de pessoas mais velhas encontrámos essa dupla face. Embora as tecnologias possam aproximar gerações da mesma família, nomeadamente netos e avós, e sejam benéficas para o bem-estar dos idosos, isso pode uma visão demasiado positiva. A solidariedade entre gerações não é um dado adquirido.


Referência

Azevedo, C. & Ponte, C. (2020). Intergenerational solidarity or intergenerational gap? How elderly people experience ICT within their family context. Observatorio (OBS*) 14 (3), 16-35. http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/1587/pdf.

 

Sobre a Autora

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Celiana Azevedo

Professora Adjunta - Instituto Politécnico de Setúbal. ICNOVA

As suas áreas de interesse são as relações de públicos mais velhos com as TIC e a mediação tecnológica nas relações entre gerações.