Para além do proibir ou permitir: nove dicas sobre escolas e telemóveis

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Eduarda Ferreira

O uso de telemóveis nas escolas é uma das questões mais debatidas entre famílias, educadores e decisores políticos. Estes dispositivos, que durante a pandemia se tornaram ferramentas essenciais para garantir a continuidade da aprendizagem e a ligação com o mundo, passaram a ser alvo de crescente preocupação. Conheça 9 Dicas para políticas eficazes e humanas sobre o uso de telemóveis nas escolas.

Num contexto de crescente preocupação com o impacto dos telemóveis na vida escolar, não basta decidir se se deve proibir ou permitir o uso desses dispositivos: é preciso pensar como criar políticas bem fundamentadas, equilibradas e com sentido para toda a comunidade educativa.

1. Compreender o problema antes de agir

Antes de definir qualquer norma, é essencial compreender o que está em jogo.

O uso de telemóveis está, de facto, a interferir negativamente no processo de aprendizagem, na concentração, no comportamento ou na saúde mental dos alunos? Há sinais claros de prejuízo nas relações sociais entre os pares?

A decisão de restringir ou regular o uso desses dispositivos deve partir de um diagnóstico atento da realidade local, não de modismos nem de pressões externas. A clareza sobre os benefícios esperados das restrições – seja para todos ou para grupos específicos de alunos – é fundamental para que a política tenha propósito e legitimidade.

2. Utilizar uma linguagem clara

Um desafio muito ignorado na construção de políticas é o vocabulário utilizado. Muitas vezes, escolas e famílias falam de “telemóveis”, “tecnologia”, “restrições” ou “uso educativo” de forma vaga, sem diferenciar tipos de dispositivos, serviços ou objetivos.

Por isso, é necessário desenvolver um léxico claro, preciso e partilhado, que ajude a descrever não só os objetos tecnológicos, mas também as intenções pedagógicas, os critérios de sucesso e os graus de flexibilidade.

A linguagem deve refletir a complexidade real da experiência dos alunos com a tecnologia, e não a simplificar em extremos como “bom/mau” ou “permitido/proibido”.

3. Apostar numa abordagem holística e integrada

As políticas de telemóveis só são realmente eficazes quando fazem parte de algo maior. Elas devem estar inseridas num currículo de literacia digital, que ensine os alunos a usarem a tecnologia de forma ética, crítica e segura.

Além disso, precisam de articular com as políticas de transição digital da escola e de considerar os usos tecnológicos dentro e fora da sala de aula. Um plano coerente liga os diferentes âmbitos da experiência educativa, promovendo uma cultura digital mais madura e partilhada.

4. Ser inclusivo e respeitar necessidades diversas

Nem todos os alunos vivem as mesmas realidades. Alguns podem precisar do telemóvel durante o dia por motivos de saúde (como diabetes), por questões de deficiência, ou por responsabilidades familiares.

Por isso, uma política eficaz deve ser flexível o suficiente para acomodar exceções justificadas, garantindo inclusão e equidade. Restrições rígidas e universais, se não forem bem pensadas, podem penalizar injustamente os mais vulneráveis.

5. Ouvir e envolver toda a comunidade escolar

Políticas duradouras e eficazes são aquelas que nascem do diálogo e da participação.

Os alunos, por exemplo, têm perceções importantes sobre os usos que fazem dos dispositivos e os motivos por trás disso. Os docentes conhecem os impactos práticos na sala de aula. As famílias têm preocupações legítimas sobre a aprendizagem e a segurança dos filhos. E as direções escolares trazem a visão institucional e pedagógica.

Quando todos os setores da comunidade educativa são ouvidos, a política deixa de ser algo imposto de cima para se tornar um compromisso coletivo com o bem comum.

6. Evitar soluções simplistas ou ilusórias

É importante reconhecer que nenhuma política de telemóveis resolve todos os problemas escolares. Limitar ou proibir o uso desses dispositivos pode aliviar ansiedades momentâneas, mas não substitui uma educação de qualidade, centrada no aluno e sensível às suas diferenças. Há o risco de que políticas muito restritivas sacrifiquem oportunidades de personalização e inovação pedagógica, especialmente para alunos que mais poderiam beneficiar de abordagens tecnológicas adaptadas às suas necessidades.

7. Garantir uma implementação contextualizada e contínua

Implementar uma política de sucesso exige:

  • Regras claras e acessíveis, conhecidas e compreendidas por todos;
  • Adaptação às características locais, respeitando as especificidades socioeconómicas e culturais da escola;
  • Monitorização contínua, com avaliação regular do impacto e capacidade de fazer ajustes sempre que necessário.

Esses três pilares ajudam a política a evoluir com o tempo, tornando-se um instrumento dinâmico, e não uma regra rígida.

8. Rever a política todos os anos

Vivemos numa realidade digital em constante transformação. Novas aplicações, novos riscos, novas formas de interação online surgem rapidamente. Por isso, as políticas escolares sobre telemóveis devem ser revistas anualmente, com base em dados, experiências e mudanças tecnológicas. Isso implica:

  • Avaliar a política em vigor: funcionou? Quais impactos teve?
  • Atualizar as medidas, se necessário, para se manterem relevantes.
  • Implementar as mudanças com comunicação clara e participação da comunidade.

9. Preparar os próximos passos com visão de futuro

A construção de políticas escolares sobre telemóveis deve fazer parte de uma estratégia mais ampla que inclua:

  • A recolha de evidências robustas, com base em investigação científica;
  • O envolvimento real das comunidades educativas em todo o processo;
  • A regulação responsável do setor tecnológico, exigindo maior responsabilidade das plataformas e fabricantes;
  • E a preparação para o impacto crescente da inteligência artificial na educação, que irá transformar profundamente os métodos de ensino e aprendizagem.

Baseado em:

Rahali, M., Kidron, B., and Livingstone, S. (2024). Smartphone policies in schools: What does the evidence say? Digital Futures for Children centre, LSE and 5Rights Foundation.

Sobre a Autora

Eduarda Ferreira

Psicóloga Educacional - CICS.NOVA.

Interesses de investigação: web geoespacial, TIC na educação, inclusão digital, sexualidades e igualdade de género.