
Tatiana Matos
27 de Junho, 2025
Lá em casa não consigo calcular o tempo que a minha filha assiste a conteúdos nos ecrãs. Se estivesse sempre em cima dela não conseguia fazer mais nada. Sei que é importante monitorizar o que fazem nos telemóveis, mas confesso que não o tenho feito da melhor maneira e acho irrealista com os nossos horários de trabalho e a vida atarefada que temos… (Mãe de criança de 7 anos)
Certamente muitas mães e pais reveem-se nestas palavras. Muitas famílias culpabilizam-se por não conseguirem assegurar as recomendadas “infâncias longe de ecrãs”. Serão essas infâncias possíveis? O que pode ser feito para equilibrar a presença dos ecrãs nos lares com um uso seguro e adequado às crianças?
Na CriA.On apresentamos recursos digitais e visões alternativas às vozes da proibição e da atribuição de culpa e responsabilidade exclusivamente às famílias. Fazemo-lo também com base em estudos com atenção aos espaços em que crescem as crianças e na diversidade de culturas e ambientes familiares. Numa linguagem que procuramos que seja acessível, apresentamos perspetivas que tenham em conta os direitos das crianças no contexto digital.
Procuramos também estar com famílias, incentivando a comunicação, a partilha e a procura de soluções. Pode ser em encontros de associações de pais, na biblioteca local ou na escola dos filhos. Damos aqui conta de um desses momentos.
Fim de tarde, escola no centro do país
No dia 16 de junho, final do ano letivo, dinamizei uma sessão para pais de crianças do 1º ciclo, na Escola Básica António Torrado, em Abrantes. O título aberto, “Crianças e o mundo digital”, dava espaço a que se partilhassem usos, aprendizagens, receios e sugestões para navegações seguras nestas idades.
Nas duas horas deste encontro com dez encarregados de educação, foram debatidos temas como a gestão do tempo online, a segurança e bem-estar digital das crianças e a adequação dos conteúdos às suas idades. Preocupava-os os tempos de ecrã dos seus filhos serem superiores às recomendações que encontravam nos meios de comunicação social.
Mais do que teorias, estes pais e mães procuravam ferramentas práticas para o dia a dia, formas de melhorar a qualidade do tempo em família.
Uma mãe dizia, quase em tom de desabafo:
“Sinto que estou sempre a dizer ‘desliga isso’, mas não tenho nada melhor para lhe oferecer, especialmente durante a semana. Ao fim de semana temos mais tempo…” (Mãe de criança de 6 anos)
O tempo de ecrã é todo igual?
“O meu filho tem o sonho de ser astronauta. Passa imenso tempo a ver vídeos sobre curiosidades do planeta, coisas sobre estrelas e sobre o universo e ele fica mesmo muito interessado naquilo. Não acho que seja uma coisa necessariamente má, acho que ele está a aprender coisas interessantes.” (Mãe de criança de 7 anos)
Mais exemplos podem vir à tona. Ver um documentário sobre animais e aprender sobre os seus habitats, estando nisso tão interessada, será negativo para o desempenho cognitivo de uma criança? Ou treinar uma competência do seu interesse, como aprender a tocar um instrumento musical seguindo tutoriais? É esse tempo de ecrã idêntico ao tempo passado num scroll incentivado pelos algoritmos?
Claro que podem ser combinados em família a duração dos “blocos de tempo de ecrã”, interrompidos por outros tempos, mas disso falaremos adiante.
Conforme aponta o relatório mais recente da UNICEF (2025), a ausência de dados mais precisos sobre o que faz no tempo em que se está online leva a que proliferem preocupações a que o tempo passado na internet, por si mesmo, seja prejudicial às crianças. Estas suposições genéricas não consideram, contudo, plataformas e conteúdos que podem trazer oportunidades ou danos, como trazem e, sobretudo, se trazem.
Controlo parental e “acordo digital”
Claro que há preocupações válidas e medidas que podemos tomar. Por isso, nesta sessão foram partilhadas opções de controlo parental, como o Family Link. Vários pais contaram como usavam estas ferramentas da Google. Dizia o pai de uma criança que tinha telemóvel pessoal:
“Usei para o meu filho do meio e estou a usar para o mais pequeno agora [o Family Link]. É bom porque eu posso proibir determinados conteúdos, posso decidir quais os números a quem pode ligar, posso restringir um conjunto de coisas que acho que ele não está preparado para ver.” (Pai de criança de 8 anos)
O controlo parental não substitui o diálogo e a confiança. Vimos que as ferramentas devem ser usadas como apoio à mediação parental, não como substituto.
Nesse sentido, partilhei o Recurso “O nosso acordo digital”, feito numa família com uma criança em idade pré-escolar. Se aquele acordo é simples e tem poucas regras, um acordo elaborado com o envolvimento de crianças mais velhas pode apresentar mais regras e continuar a comprometer toda a família. A regra de “refeições sem telemóvel” não continuará a ser uma orientação adequada?
Muito possivelmente, pais e mães ficarão surpreendidos com os contributos dos filhos, sobre o que estes precisam e desejam do ambiente digital em casa. Porque para muitas destas crianças, o excesso de tempo de ecrãs aparece sobretudo associado aos pais…

Dicas de mediação familiar
Apoiada pelo Recurso da Parentalidade Digital Positiva, resumi em 5 dicas as atitudes dos pais na hora de estabelecer algumas regras digitais em casa:
- Comunicação aberta sobre o uso responsável da tecnologia, discutindo benefícios e riscos, e encorajando as crianças a relatarem experiências (positivas e negativas);
- Ser uma referência demonstrando um uso responsável de dispositivos digitais, equilibrando a vida online e offline;
- Evitar distrações à mesa: é fácil culpar os miúdos de estarem viciados no telemóvel às refeições, mas que exemplo é dado pela família?
- Limites de tempo: definir regras claras sobre o tempo diário que crianças (e adultos) podem passar em frente aos ecrãs, adaptando os limites de acordo com a idade e necessidade individuais;
- Tempo de qualidade em família: quando possível, desligar notificações que possam interromper momentos de interação com a criança.
No final, a grande conclusão que retirámos é que a comunicação e os acordos em família são o que permite um uso equilibrado da tecnologia. De nada vale limitar tempos de ecrã sem que isso seja discutido e percebido pela criança. Pode ser desafiante, mas certamente contribuirá para a sua resiliência à pressão do digital e dos seus algoritmos, que todos reconhecemos em idades mais velhas.
Publicações Relacionadas
Sobre a Autora
Tatiana Matos
Gestora de Redes Sociais - ICNOVA
Mestre em Estudos de Educação pela NOVA FCSH, tem vindo a trabalhar com jovens sobre participação cívica e política online e competências digitais. Colabora também no projeto ySKILLS.
Ver Publicações →