Proibir telemóveis na escola?

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Eduarda Ferreira

Estamos num pátio de uma escola do 3º ciclo e secundário, olhamos à nossa volta e vemos jovens em grupos, a conversar, a rir, a jogar à bola, alguns abraçados, outros mais isolados. Os telemóveis estão sempre presentes, fazem parte da interação. Esta realidade tem sido fonte de debates na sociedade. Os telemóveis devem ser proibidos nas escolas? 

Esta é uma questão muitas vezes fraturante. Muitas vozes se levantam a reclamar uma escola livre de telemóveis para promover um maior convívio entre jovens e para os libertar dos ecrãs, enquanto outras defendem a sua utilização em contexto escolar para preparar as crianças e jovens para uma sociedade cada vez mais digital. 

Evidência científica

Para analisarmos esta questão vamos começar por olhar para as evidências científicas sobre os aspetos positivos e negativos dos telemóveis nas escolas. Temos de ter em consideração que as evidências sobre benefícios e riscos do uso não educacional de dispositivos digitais móveis no bem-estar dos alunos são limitadas. Uma das razões é a rápida evolução tecnológica. Desde 2007, quando os smartphones começaram a ser produzidos em massa, tem havido contínuas mudanças na tecnologia com novas funcionalidades e possibilidades de utilização. É difícil fazer estudos científicos sobre uma realidade em constante evolução e mudança. 

No entanto, apesar destas limitações, existem investigações que nos ajudam a perceber potenciais riscos e benefícios. Como riscos mais referenciados temos o aumento de situações de cyberbullying, exposição a conteúdos inapropriados como sexting (envio ou partilha de mensagens de texto e imagens sexualmente sugestivas), diminuição da interação social face-a-face, impacto negativo na saúde física e mental, e distração das tarefas escolares, apontam investigadores em Educação

Os aspetos positivos também são identificados em muitas investigações, como por exemplo: preparar os jovens para lidarem com um mundo cada vez mais cheio de distrações; melhorar o rendimento escolar por proporcionar formas de aprendizagem ativa; aumentar a comunicação entre colegas; promover a inclusão ao dar acesso a jovens de meios socioeconómicos desfavorecidos a smartphones mais avançados através da partilha em trabalhos de grupo; permitir que as tarefas escolares sejam alargadas a espaços exteriores à sala de aula, como apontam vários estudos, entre eles este.

Se os telemóveis forem proibidos na escola certamente diminuem as trocas de mensagens na sala de aula, os registos de imagens em contexto escolar, o tempo que passam a olhar para os ecrãs, e outros comportamentos associados. Mas… e quando os jovens saem da escola? A proibição poderá ter tornado a escola um espaço livre de telemóveis, mas é essa a sociedade onde vivemos? Onde é que os jovens vão poder aprender a lidar com a omnipresença dos telemóveis na nossa vida? A escola é o único garante de igualdade na formação pessoal e social dos jovens. Nem todas as famílias têm as competências necessárias para preparar os jovens para as exigências de uma sociedade cada vez mais digital.

Qual o papel da escola?

Mais importante do que debater se os telemóveis devem ser ou não proibidos nas escolas é debater qual a melhor forma de os utilizar em contexto escolar. Temos de nos questionar sobre o papel da escola na sociedade e que competências deve a escola desenvolver nas crianças e jovens.

A UNESCO defende que se deve evitar a proibição dos telemóveis nas escolas por limitar as oportunidades educacionais e inibir a inovação do ensino e da aprendizagem. As escolas têm um papel fundamental na promoção da utilização adequada e produtiva dos telemóveis, sendo provável que muitos jovens não tenham acesso a essas orientações fora da escola.

Em vez de proibir os telemóveis, as escolas podem optar por ter políticas de utilização que desenvolvam as competências digitais das crianças e jovens, ensinando-as sobre os benefícios e os riscos da utilização dos telemóveis. O desafio para as escolas reside em conseguir reduzir as utilizações negativas dos telemóveis ao mesmo tempo que promovem as suas potencialidades para o ensino, aprendizagem e conexão social.

Devem ser definidas regras claras de utilização dos telemóveis em contexto escolar e respetivas consequências se forem usados de forma inadequada. Na definição de regras deve ser tida em conta a idade das crianças, e escolas do 1º ciclo terão certamente regras diferentes de uma escola secundária. O importante é envolver crianças, jovens e famílias no desenvolvimento de políticas de utilização dos telemóveis nas escolas para aumentar a eficácia e a aplicabilidade das políticas – e até reduzir os riscos associados à sua utilização, como apontam Sarah Rose e colegas.

Como alternativa à proibição podem ser implementadas estratégias como, por exemplo, um dia sem telemóveis, envolver os jovens na decisão de quando devem utilizar ou não os telemóveis, utilizar nas práticas pedagógicas em sala de aula, estender a sala de aula para os recreios com tarefas educativas a serem realizadas em autonomia. Um exemplo de uma iniciativa positiva relacionada com as práticas digitais em contexto escolar é a semana do bem-estar digital organizada por Agarrados à net.

Literacia digital e autorregulação

Os objetivos da Estratégia Europeia para uma Internet melhor para as crianças incluem promover maior consciência crítica e envolvimento cívico por parte dos jovens e desenvolver o pensamento crítico e competências de literacia digital para poderem contribuir ativamente numa sociedade participativa. A escola pode contribuir para desenvolver a literacia digital das crianças e jovens, isto é, desenvolver as competências necessárias para aproveitarem o potencial e as oportunidades das tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, permanecerem atentos aos desafios e riscos. A literacia digital é considerada crucial no século XXI para participar de forma significativa e segura num contexto em que as tecnologias digitais se tornam cada vez mais presentes na sociedade.

Proibir é uma forma de regulação externa dos comportamentos. Não promove a literacia digital dos jovens nem contribui para desenvolverem a autorregulação, o serem capazes de gerir autonomamente os seus comportamentos. Se estiverem noutro contexto onde já não existe a proibição, como vai ser o seu comportamento?

As crianças e jovens que estão agora na escola serão os futuros profissionais que irão garantir o funcionamento da sociedade. E no contexto profissional terão de ter a autodisciplina para equilibrar a utilização do telemóvel e a realização do trabalho. Ter telemóveis na escola oferece às crianças e jovens uma oportunidade de desenvolverem as competências necessárias para gerir de forma equilibrada a utilização do telemóvel e as práticas digitais online.

É certamente desafiante lidar com a presença de telemóveis nas escolas. Mas se a escola não preparar os jovens para lidarem de forma positiva com os telemóveis na sua vida, como podemos aspirar a uma vida em sociedade em que as tecnologias digitais móveis são integradas de forma harmoniosa e positiva nas nossas vidas?

Sobre a Autora

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Eduarda Ferreira

Psicóloga Educacional - CICS.NOVA.

Interesses de investigação: web geoespacial, TIC na educação, inclusão digital, sexualidades e igualdade de género.