Smartphone: Caixa de ferramentas com potencial educativo

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Susana Batista e Elisabete Fiel

À letra, telefone inteligente. Com câmara fotográfica, gravador áudio, calculadora científica, bússola, mapas, permite ter à mão aplicações para tradução e tantas outras mais, com inúmeras possibilidades em salas de aula habitualmente carenciadas de meios tecnológicos. Sim, pode constituir um recurso pedagógico, desde que exista uma intenção clara e uma preparação e monitorização adequadas e contextualizadas.

Incorporar uma tecnologia como os smartphones em ambiente escolar pode ser, ao mesmo tempo, entusiasmante e intimidante. Numa sala de aula, convidar os alunos a colaborarem num documento partilhado ou a responder a questões que ficam depois projetadas no quadro pode promover a construção conjunta de conhecimento. Mas também abre espaço para conversas paralelas ou para comentários impróprios.

Esta ambivalência obriga-nos a pensar com cuidado sobre quando e como usar os telemóveis, para que sirvam a aprendizagem – tal como sublinha o Global Education Monitoring Report 2023.

Nem demais nem de menos

Segundo os dados do PISA 2022, em Portugal os alunos utilizam dispositivos digitais na escola para a aprendizagem numa média de 1h48 por dia – ligeiramente mais do que o tempo dedicado a atividades de lazer nos mesmos dispositivos (1h32). Este valor está, ainda assim, abaixo da média dos países da OCDE (2 horas).

O mesmo relatório revela que o uso moderado de dispositivos digitais está geralmente associado a melhores desempenhos a matemática. Por exemplo, alunos que usam tecnologias até uma hora por dia para fins educativos obtiveram, em média, 14 pontos a mais, mesmo considerando diferenças socioeconómicas. Mas o efeito desaparece quando o tempo de utilização aumenta, sugerindo que há um limite ideal (nem pouco, nem demasiado, usando a metáfora da história da “Menina dos Caracóis de ouro”.

Figura 1 – Tempo passado na escola em dispositivos digitais e desempenho a Matemática. Fonte: OCDE, PISA 2022

Mais do que o tempo de uso, o que realmente importa é o seu propósito. Um telemóvel pode ser usado para tomar notas, fazer quizzes interativos, colaborar em tempo real, refletir, criar vídeos ou aceder a tutoriais. Mas, no ensino, só faz sentido usar esta ferramenta se a tarefa for melhorada com a tecnologia e resultar em mais aprendizagem – e não apenas porque é possível usá-la.

Para quê? Definir intenções

O modelo SAMR, proposto por Ruben Puentedura, especialista em tecnologia e educação, permite-nos pensar sobre os diferentes níveis de sofisticação e de poder transformador das tecnologias digitais quando integradas no ensino.

Num primeiro patamar, podemos simplesmente substituir (S) ou aprimorar (A) tarefas com ferramentas digitais (como escrever num documento word ou usar correção gramatical).

Mas os ganhos mais significativos acontecem quando o desafio é modificar (M) e redefinir (R) tarefas – por exemplo, através da colaboração num documento partilhado ou da criação de novos formatos, como vídeos ou podcasts.

Assim, para usar o telemóvel com intencionalidade, vale a pena perguntar:

  • O que vou ganhar com a tecnologia?
  • Esta tarefa depende da tecnologia?
  • Pretendo estimular uma participação mais equitativa, permitindo novos formatos?
  • Quero promover a literacia digital?

Estruturar bem as tarefas e definir objetivos e resultados claros ajuda também a manter os alunos focados e envolvidos.

Como? Preparar o uso

A integração bem-sucedida dos telemóveis começa com uma preparação cuidada e adaptada a cada contexto. Afinal, tudo depende das características da escola (a conectividade é suficiente?) e dos próprios alunos (idade, preparação, comportamento…). Isso implica:

  • Experimentar previamente a ferramenta / aplicação;
  • Organizar a sala de aula de forma flexível, com espaços diferenciados (colaboração, trabalho individual, discussão);
  • Estabelecer normas claras: como, quando e para quê usar os telemóveis;
  • Envolver os alunos na definição de regras, por exemplo através de uma matriz visível de comportamentos esperados;
  • Começar devagar, com atividades simples e bem estruturadas;
  • Planear com equilíbrio momentos com e sem tecnologia.

Ao longo do tempo, deve haver espaço para ajustes, reflexão e melhoria contínua. Recolher feedback dos alunos, analisar o impacto nas aprendizagens e repensar práticas são passos essenciais. O foco deve ser sempre o mesmo: usar a tecnologia para aprofundar o pensamento, estimular a curiosidade e promover competências críticas.

Sim, os smartphones podem ser utilizados como ferramenta de trabalho colaborativo, em espaços escolares e outros. Em sala de aula, potenciam formas de aprendizagem ativa e o bom uso contribui para literacias e segurança digital. Regras de utilização, previamente acertadas e que comprometam a turma, são condição necessária para que se potencie o sucesso das intervenções, a juntar ao planeamento e ao envolvimento dos alunos.

Sobre as Autoras

Susana Batista

Professora Auxiliar - NOVA FCSH. CICS.NOVA

Além de investigar e intervir na educação e formação de professores, tem explorado as competências digitais de jovens, a mediação parental e a cidadania digital.

Elisabete Fiel

Professora Auxiliar na Secção de Educação e Formação Geral da NOVA-FCSH