Escola e telemóveis: o que sabemos sobre o assunto?

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Cristina Ponte

Há cerca de uma década que, em vários países, a interdição dos telemóveis nas escolas tem sido reclamada por professores e encarregados de educação – e agora também por forças políticas – como condição para um ambiente escolar mais saudável, nas salas de aula e nos recreios. Mas o que dizem estudos sobre efeitos dessa interdição?

A fim de esclarecer se os telemóveis nas escolas têm impacto no desempenho académico (incluindo a atenção e a distração), na saúde mental e bem-estar dos alunos e na incidência de cyberbullying, duas investigadoras em Educação da Universidade de Queensland, Austrália, fizeram um levantamento de todos os documentos, publicados e não publicados, a favor e contra a proibição de telemóveis nas escolas até 2023.

O levantamento realizado por Marilyn Campbell e Elizabeth Edwards localizou 1.317 documentos, entre artigos científicos, relatórios e trabalhos académicos. Contudo, apenas 22 tinham comparado o tempo da interdição com o tempo anterior a essa medida, o que é uma condição necessária para uma avaliação sustentada.

Os estudos que tinham feito essa comparação em escolas provinham de um leque diverso de países: Bermudas, China, República Checa, Gana, Malawi, Noruega, África do Sul, Espanha, Suécia, Tailândia, Reino Unido e Estados Unidos.

Desempenho escolar

Quatro estudos identificaram uma ligeira melhoria no desempenho escolar quando os telefones foram proibidos nas escolas. No entanto, dois deles concluíram que a melhoria se aplicava apenas a alunos desfavorecidos ou com baixo desempenho.

Alguns estudos compararam escolas onde existiam proibições parciais com escolas com proibições completas, o que não torna possível chegar a conclusões.

Três estudos não encontraram diferenças no desempenho escolar quer houvesse ou não proibições de utilização de telemóveis. Dois deles utilizaram amostras muito grandes. Foi o caso de uma tese de mestrado que analisou 30% das escolas na Noruega e de um estudo que utilizou uma coorte nacional na Suécia. Essas amostras de grande dimensão tornam os resultados mais confiáveis.

Saúde mental e bem-estar

Dois estudos, um deles uma tese de doutoramento, referiram que a proibição dos telemóveis teve efeitos positivos na saúde mental dos estudantes. Ambos tiveram como base as perceções dos professores e dos pais sobre o bem-estar dos alunos – os próprios alunos não foram questionados.

Dois outros estudos não mostraram diferenças no bem-estar psicológico após a proibição dos telemóveis.

Outros três estudos reportaram mais danos na saúde mental e no bem-estar dos estudantes quando estes passaram a não poder usar o telemóvel. Os estudantes referiram que se sentiam mais ansiosos, e esse sentimento ficou bem evidente num estudo realizado aquando do regresso à escola após o confinamento gerado pela pandemia COVID-19.

Para as duas investigadoras australianas, os resultados sobre benefícios da proibição dos telemóveis para a saúde mental e o bem-estar dos estudantes são inconclusivos, baseiam-se em casos singulares e em perceções, e não tiveram em conta a incidência registada de doenças mentais.

Bullying e cyberbullying

Dos oito estudos sobre a evolução decorrente após a proibição dos telemóveis, quatro relataram uma pequena redução do bullying nas escolas, especialmente entre os alunos mais velhos. No entanto, não especificaram se se tratava ou não de cyberbullying.

Em dois estudos, os professores referiram acreditar que a presença de telemóveis nas escolas aumentava o cyberbullying.

Os dois restantes mostraram que o número de incidentes de vitimização e assédio online foi maior nas escolas que passaram a ter proibições de utilização de telemóveis do que naquelas sem proibições. Os autores destes dois estudos sugeriram que o aumento podia dever-se ao facto de os alunos considerarem as proibições telefónicas como punitivas, o que tornou o clima escolar menos igualitário e menos positivo.

Além disso, não há provas de que, uma vez proibidos os telemóveis na escola, os alunos não usem outros dispositivos para intimidarem colegas.  Computadores portáteis, tablets, smartwatches ou computadores de biblioteca podem também ser usados para cyberbullying.

Em balanço

Marilyn Campbell e Elizabeth Edwards apontam que as provas que apoiem a proibição dos telemóveis nas escolas são fracas e inconclusivas, e fazem notar que o impulso para proibir diz mais sobre a resposta de políticos às preocupações da comunidade do que sobre provas da investigação.

E concluem: “os telemóveis são parte integrante das nossas vidas e são-no em especial da vida dos adolescentes”.

Sendo um meio de comunicação, fruição e aprendizagem, pela sua disponibilidade permanente – e pela lógica do digital – também favorecem comportamentos aditivos. A escola, como espaço educativo, precisa de promover o uso adequado dos telefones, em vez de simplesmente os proibir. E como parte da comunidade escolar, os estudantes devem ser envolvidos na reflexão necessária sobre como gerir a sua relação com esse dispositivo de forma responsável.

Nota: Este texto foi adaptado do post de Marilyn Campbell e Elizabeth Edwards, publicado na plataforma Parenting For a Digital Future, a 10 de abril de 2024.

Sobre a Autora

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Cristina Ponte

Professora Catedrática - NOVA FCSH. ICNOVA

Tem investigado a relação de crianças e jovens com os media na perspetiva dos seus direitos e contextos familiares em projetos nacionais e europeus.