Professores e culturas digitais dos alunos: desafios e oportunidades

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Lídia Marôpo

A capacidade de concentração dos alunos está a diminuir por causa da internet. Dantes via-se mais os rapazes a jogar à bola e as raparigas a conversarem aos pares pelo recreio, hoje, se tiverem internet, preferem estar num canto a ver o telemóvel. As tecnologias digitais podem trazer prazer imediato, mas não aumentam o nível cultural dos alunos. Estes depoimentos de professores parecem ter cada vez mais eco na sociedade.

São preocupações em linha com notícias que apontam o uso excessivo de dispositivos móveis nos espaços de recreio escolar, casos de cyberbullying ou de sexting (troca de mensagens eróticas com ou sem fotos via telemóvel, chats ou redes sociais), episódios de violência entre pares gravados e divulgados online ou conflitos entre alunos e professores devido ao uso indevido de dispositivos móveis em sala de aula.

Um pouco por todo o mundo discutem-se os desafios enfrentados pelos professores no contexto digital atual: distração crescente nas aulas, dificuldades de concentração, sonolência e dramáticas mudanças emocionais, sociais, comportamentais e cognitivas.

A visão de professores em Portugal

Coordenado por Lídia Marôpo e realizado pelos Centros de Competência TIC da Escola Superior de Educação de Setúbal e da Universidade de Aveiro, o estudo Competências e Culturas Digitais Infantojuvenis: a perspetiva dos professores, ouviu vinte docentes de Informática e TIC, do 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário.

Entre os professores participantes, predominam a visão das crianças e adolescentes como vulneráveis aos riscos digitais e a perspetiva de que a omnipresença das tecnologias digitais estaria a ter quatro tipos de repercussão na escola:

  • Transformações nos espaços de recreio, nos quais as brincadeiras e atividades físicas tradicionais foram em grande medida substituídas pelo uso dos smartphones.
  • Utilização de dispositivos móveis nas salas de aula de modo disruptivo: troca de mensagens, ver ou gravar vídeos, cópias em momentos de avaliação e até transmissão de lives.
  • Alterações nos processos de aprendizagem, que incluem a diminuição da capacidade de concentração, a necessidade de respostas e recompensas imediatas, o excesso de informação que tornaria crianças e jovens indiferentes ao conhecimento, a diminuição do empenho e falta de rigor nos trabalhos escolares e uma maior atenção às imagens em detrimento dos textos.
  • Com impacto no contexto escolar, situações problemáticas como cyberbullying, contato com estranhos perigosos, uso excessivo e sexting.

Diante de tantas preocupações e da grande visibilidade social que têm alcançado, muitas vezes vemo-nos diante de um clima de ansiedade e pânico moral sobre o impacto das tecnologias nas pessoas, em especial sobre as crianças.

Contudo, em vez de uma visão dicotómica sobre proibir ou não os telemóveis na escola, importaria refletir sobre qual a melhor forma de utilizar os telemóveis em contexto escolar, tendo em conta o papel da escola e as competências que deve promover nas crianças e adolescentes.

Culturas digitais como ferramenta pedagógica

O acesso constante ao digital pode implicar que os mais novos tenham especificidades em relação a gerações anteriores não só no modo como aprendem, mas também no que respeita às suas práticas sociais. Por isso, é fundamental não considerar as tecnologias digitais apenas como instrumentos pedagógicos, como acontece com frequência nas escolas. Importa considerá-las também no contexto das culturas digitais de crianças e adolescentes.

Apesar da sua visão sobretudo negativa sobre as culturas digitais, a maioria dos professores participantes no estudo acredita que seria possível incorporar jogos, redes sociais e outros conteúdos digitais acedidos pelos alunos como ferramentas pedagógicas.

Embora reconheçam a barreira entre conteúdos de entretenimento e educacionais e ressaltem a falta de tempo para explorarem as dinâmicas quotidianas das plataformas digitais, alguns professores conversam sobre estes temas com os seus alunos, como estratégia para se aproximarem deles, captarem a sua atenção e adaptarem metodologias e conteúdos aos seus interesses.

Referem também a gamificação como estratégia para conseguirem mais adesão e empenho e veem os jogos com conteúdos de qualidade como válidos para promover discussão e análise e para desenvolver competências de trabalho em grupo. A produção de conteúdos nas redes sociais poderia promover oportunidades profissionais, argumentam alguns, e neste sentido estimulam a que os alunos façam vídeos curtos para aprenderem a fazer síntese dos conteúdos e desenvolverem competências técnicas.

Nesta perspetiva, a maior parte dos professores entrevistados não concorda com a proibição dos telemóveis nas escolas. Muitos referem que faltam às instituições de ensino estabelecer e fazer cumprir diretrizes claras por todos, mas reconhecem os smartphones como uma ferramenta pedagógica acessível e útil em sala de aula. 

O desafio das escolas seria então:

  • Estabelecer regras e procedimentos para o uso dos dispositivos móveis pelos alunos na sala de aula, nos espaços de recreio e em outros contextos de modo seguro, responsável e informado.
  • Promover uma maior aproximação com os usos e práticas digitais dos alunos como estratégia útil para os motivar a aproveitar os seus conhecimentos e para promover competências críticas e operacionais no âmbito digital.

Sobre a Autora

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Lídia Marôpo

Professora Coordenadora - Instituto Politécnico de Setúbal. CICS.NOVA

Tendo como base os direitos das crianças, investiga sobre a sua representação e consumo de notícias, conhecimentos e práticas digitais enquanto produtoras e consumidoras de conteúdos.