Benefícios dos videojogos para as crianças

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Pedro Silva Ferreira

Os videojogos não são necessariamente promotores de vivências amorfas, desumanas, iletradas e desprovidas de pensamento crítico num espaço inorgânico e isolado. Podem ser o oposto.

Se a exposição genérica das crianças a ecrãs está a ser sujeita a grande condenação por parte da opinião pública, os videojogos estão entre o conteúdo digital mais visado. Desenvolvimento de comportamentos de violência e adição, acesso a perigos online e desincentivo de outras atividades, em particular ao ar livre, são os riscos que mais lhes são imputados.

Mas esta crítica parte de usos particulares para visar uma categoria de media que é heterogénea e que gera usos que dependem do jogo e do contexto em que é jogado. Para contrapor a uma generalização, este artigo pretende relevar alguns dos usos dos videojogos a que se associam benefícios, em grande parte exclusivos, para as crianças.

Plataforma para a criatividade e construcionismo

O André, de seis anos, desafiou o seu tio a construir com ele um piso subterrâneo na sua casa num mundo do jogo Minecraft a que apenas os dois têm acesso. Acontece que, para a proteção de invasores, como se fazia nas fortificações medievais, já tinham rodeado a casa de água. Assim, a construção deste piso teve de ter o cuidado de não criar infiltrações.

Para garantir luz natural, e por ser engraçado ter uma vista subaquática, decidiram cobrir boa parte da fachada deste piso subterrâneo com um “tijolo” de vidro. Em algumas sessões de jogo – presenciais, sempre que possível, ou à distância, comunicando por videochamada – conseguiram cumprir este objetivo. Mas, uns dias depois, o André deu com uma cascata no interior da casa – um dos tijolos de vidro aparentemente tinha cedido e estava em falta, permitindo assim a entrada de água (que felizmente era escoada) – e exclamou com perspicácia: “Deve ter sido da pressão!”.

Com esta história, verídica, pretende-se relevar dois méritos: o da criatividade que o ambiente caixa de areia – de criação livre – incentiva; e o do construcionismo 1 que se permite praticar e que acontece no teste de conceitos do mundo real, como se evidencia também neste estudo (2014). O jogo fomentou a discussão e planeamento, a gestão de recursos e a dedicação – com paciência e perseverança – à construção. O André não teria podido dedicar-se a uma construção destas nem testar a resistência do vidro nestas condições noutro meio. O jogo fê-lo procurar uma justificação para a ocorrência e motivou uma conversa sobre ela, o que terá reforçado a compreensão e a memória deste conceito.

Cooperação (com adultos)

O jogo It Takes Two conta a história de um casal num processo de iminente separação que, pela tristeza da sua filha, se vê transformado em pequenos bonecos articulados que têm agora de trabalhar em conjunto para a reencontrar e recuperar a sua forma humana. É um jogo que obriga por inteiro à colaboração entre dois jogadores para ultrapassar os desafios postos às personagens, a que acrescenta uma experiência desta narrativa frequentemente presente nas vivências familiares, podendo contribuir para a sua compreensão e empatia.

Noutro registo (catalogado como jogo de festa, mais adequado para sessões mais curtas e espontâneas), o jogo Overcooked apresenta vários níveis de cozinhas caóticas em que uma equipa de cozinheiros/jogadores tem o desafio de conseguir preparar, empratar e servir o maior número de refeições. Obriga a afinar estratégias e planos de ação (quem lava os pratos, quem corta os legumes, quem emprata) e a desenvolver uma comunicação verbal eficaz enquanto o jogo decorre.

A categoria de jogos cooperativos e familiares tem vindo a crescer em quantidade e variedade, acompanhando a preocupação com isolamento que os videojogos podem trazer.

Seja através de experiências mais profundas, prolongadas e marcantes de uma narrativa em conjunto, ou de outras mais espontâneas e acessíveis a qualquer jogador (de irmãos mais novos a avós), estes jogos incentivam momentos partilhados de brincadeira, de descoberta e de desenvolvimento das relações entre adultos e crianças numa base de igualdade e para os quais pode não existir predisposição dos adultos de outra forma.

Num estudo da Entertainment Software Association (2018) quase metade (46%) dos jogadores habituais inquiridos respondeu usar os videojogos para passar tempo em família.

Desenvolvimento de capacidades mentais e sensoriais

Um estudo (2022) procurou avaliar o impacto do jogo de ritmo Rhythm Heaven no desenvolvimento das capacidades rítmicas de crianças no ensino pré-escolar e primário, a fim de determinar se estes jogos podem ser materiais suplementares valiosos para a aprendizagem de música.

Este estudo, na linha de outro (2016) mais alargado no que diz respeito aos jogos e conteúdo musical avaliados, demonstrou a melhoria das habilidades de ritmo das crianças depois de jogarem este tipo de jogos.

Outro estudo (2016) observou mesmo que estes jogos não só afetam crianças mas qualquer não-músico na aquisição de uma variedade de habilidades musicais, incluindo afinação, tempo, melodia e ritmo.

A duração e a natureza contínua destes jogos, assim como o seu feedback visual e sonoro, estão entre as características que se identificaram como benéficas para a aprendizagem.

Quando um erro é cometido, o jogo não se interrompe para educar o jogador – este é incentivado a identificar e ultrapassar rapidamente o erro e a ajustar a sua ação. As orientações ausentes de termos musicais que estes jogos oferecem seguem a filosofia de “audição antes da simbologia” para permitir uma introdução mais suave aos conceitos associados.

Esta relação com a música é depois, como já revelado noutro artigo, um incentivo à formação musical adicional, a que se associa vários benefícios para o desenvolvimento cognitivo, particularmente nas áreas de aquisição de linguagem, capacidades de leitura e fortalecimento da capacidade de memória.

O jogo Snipperclips acumula todos os benefícios das categorias anteriores. Este é um jogo quebra-cabeças para até quatro jogadores em que as personagens assumidas representam figuras geométricas que têm de ser combinadas e recortadas mutuamente para ultrapassar vários pequenos desafios. O jogo oferece pouca orientação para a forma como os jogadores devem resolver estes desafios, convidando assim à criatividade na abordagem e ao teste de várias soluções. Tem uma natureza cooperativa que incentiva o trabalho de equipa na discussão e implementação das soluções, como relatado neste estudo (2020) e neste testemunho. E, apesar de estar em falta prova científica, antecipa-se que estimule a cognição e percepção espacial.

Um crescente corpo de evidência científica (2014) demonstra que alguns tipos de videojogos, em particular os de ação, promovem melhorias numa ampla variedade de capacidades de percepção, atenção, memória e cognição.

Outros benefícios para as crianças

Outros estudos revelam também os benefícios dos videojogos para o bem-estar e regulação de humor (2020), para a educação cívica e cidadania (2022), para a aprendizagem informal (2014), e, daqueles que recorrem ao movimento do corpo, para a educação física (2016), entre outros.

Como lidar com os videojogos?

Os videojogos não são, no seu todo, intrinsecamente bons ou maus. Devem ser entendidos como extensores da realidade a que as crianças podem aceder e do grau de interação que podem ter com ela e com quem participa nela num certo momento. Constituem uma categoria de media muito heterogénea que visa experiências muito distintas e que pode gerar usos benéficos ou prejudiciais – podendo até um mesmo jogo gerar ambos.

Por exemplo, a série de jogos de futebol FIFA pode ser usada de forma benéfica para momentos pontuais de cooperação ou competição com amigos e familiares, ou desenvolver uma prejudicial repetição compulsiva e isolada.

Por isto, e na falta de um mapeamento dos usos que cada jogo pode desenvolver (as classificações etárias avaliam apenas o conteúdo), mais do que impor regras rígidas transversais de restrição absoluta ou de tempo recomendamos às famílias que:

  • Procurem envolver-se e entender, no todo e por cada sessão, qual o uso que a criança está a dar a cada jogo e quais os seus contributos;
  • A regulação aconteça incluindo as crianças na avaliação destes contributos, incentivando conversas abertas sobre eles;

Por contraste com os casos apresentados, mais propícios a gerar usos positivos, recomenda-se atenção aos videojogos com:

  • Microtransações (que incentivam pequenos pagamentos ao longo do jogo para progredir nele ou customizar pertences digitais);
  • Loot Boxes (caixas de recompensas aleatórias associáveis a microtransações – mecânica de jogo de azar);
  • Publicidade;
  • Salas públicas online;
  • Usos assentes numa constante repetição de um mesmo ciclo de jogo, sem progressão e fim;

1 Construcionismo é uma teoria filosófica da aprendizagem, apresentada por Seymour Papert, que valoriza o processo de aprender fazendo. Afirma que a construção do conhecimento ocorre melhor através da construção de coisas que são tangíveis e compartilháveis. Refere-se a como os aprendizes se envolvem numa conversa com artefactos (próprios ou de outros) e como essas conversas impulsionam a aprendizagem autónoma e, por fim, facilitam a construção de novos conhecimentos. Enfatiza a importância de ferramentas, dos media e do contexto no desenvolvimento humano. (Ackerman, 2001)

Sobre o Autor

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Pedro Silva Ferreira

Doutorando em Media Digitais - NOVA FCSH. ICNOVA

A sua pesquisa entre os domínios da informática e educação visa criar uma plataforma para a gestão da aprendizagem informal articulada com os recursos domésticos e objectivos formais de desenvolvimento de cada criança.